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    Guilherme Wisnik

    Os processos por trás das formas

    31/10/2016 02h00

    Guilherme Wisnik
    Trienal da Lisboa
    Trienal de Lisboa

    Abriu, no início de outubro, a 4a edição da Trienal de Arquitetura de Lisboa. Com a curadoria geral de André Tavares e Diogo Seixas Lopes, o evento se estrutura em três exposições principais, em lugares distintos da cidade: "A forma da forma", no MAAT (Museu de Arte, Arquitectura e Tecnologia), "Obra", na Fundação Calouste Gulbenkian, e o "Mundo em nossos olhos", no Centro Cultural Belém.

    Ao invés de procurar afirmar um discurso unívoco, os curadores buscaram criar exposições nas quais o pluralismo da abordagem possa sensibilizar um público amplo, e não especializado, a respeito da importância da arquitetura na sociedade. Para isso, lançam mão de recursos de mídia variados, que vão de desenhos técnicos de projeto, e memoriais descritivos, a vídeos e desenhos animados de televisão.

    Se a exposição "A forma da forma" procura, através de um variado e inspirador acervo de imagens, flagrar a gênese da forma arquitetônica através de processos autônomos e internos à própria forma, a exposição "Obra", por outro lado, vai buscar as relações materiais e de trabalho que amparam a construção civil, desde uma perspectiva mais heterônoma. São, nesse sentido, exposições complementares.

    Nesta última, estão focalizados os processos construtivos nos canteiros de obra, bem como as implicações econômicas da arquitetura. Do ponto de vista conceitual, essa exposição se estrutura sobre dois exemplos fundantes: os sistemas estruturais de concreto armado baseados em cálculo, que o engenheiro francês François Hennebique patenteou em 1892, e um conjunto de propostas que o arquiteto britânico Cedric Price fez entre 1973 e 75 para o Barão McAlpine, logo após as grandes greves trabalhistas inglesas, conhecido como McAppy Report, e que visava ao mesmo tempo aumentar a produtividade na construção civil e torná-la um ambiente mais agradável para as pessoas.

    Trazendo o repertório nascente da cibernética para o canteiro de obras, Price buscava, com essa proposta –divertida e exaustivamente detalhada–, uma arquitetura mais amigável e orientada para o usuário.

    "Obra" apresenta ainda dois casos dignos de destaque. O primeiro é o vídeo criado pela Usina, assessoria técnica brasileira, que trabalha com movimentos de mutirão. Chamado "Entre", o vídeo mostra experiências importantes de construção participativa em São Paulo, nos quais os futuros moradores (que são também os operários) fortalecem o sentido de coesão coletiva entre eles através do trabalho no canteiro. A construção civil, no caso, é um processo pedagógico de cidadania, por meio do qual o peso dos materiais, e da própria opressão social, se mostra por vezes leve na prática compartilhada de decisões em grupo, que têm efeito claramente desalienantes.

    O segundo caso é um vídeo chamado "Coreografias", que combina imagens de cartoons norte-americanos do Mickey e do Popeye, por exemplo, com desenhos animados soviéticos, todos com cenas de canteiros de obras. E se nos exemplos capitalistas vemos Olívia Palito andando de olhos vendados sobre vigas metálicas que se encontram milagrosamente nas alturas, nos exemplos comunistas vemos cidadãos comuns voando sobre placas pré-fabricadas de concreto içadas por gruas. Trata-se de um maravilhoso modo de mostrar a presença da construção no imaginário do século 20, atravessando de uma só vez a Guerra Fria e o universo infantil.

    guilherme wisnik

    Escreveu até janeiro de 2017

    É professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP e crítico de arte.

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