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    Guilherme Boulos

    Meu reino por um cavalo

    15/10/2015 13h38

    O ex-ministro Ciro Gomes disse certa vez sobre o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ): "Antigamente, o picareta achava a sombra, procurava ali o bastidor, ia fazendo as picaretagens dele escondido. Agora não! Quer ser o presidente da Câmara".

    Se um picareta procura a sombra é por instinto de sobrevivência. Por saber que, se suas façanhas inglórias –lobbies, achaques ou contas na Suíça– vierem a público, estará perdido. Ou não.

    Eduardo Cunha nos leva a duvidar. Em 1992, ele foi exonerado da presidência da Telerj, a antiga estatal de telefonia do Rio, por um esquema de superfaturamento em contratos. Em 2000 deixou o comando da Cehab (Companhia Estadual de habitação do Rio) no Rio pela denúncia de favorecimento a empresas fantasmas. Em 2005 seu nome reapareceu na CPI dos Correios, ligado ao rombo milionário no fundo de pensão Prece. E, em 2011, seu indicado à presidência de Furnas foi denunciado por um negócio escandaloso, que teria envolvido aliados do deputado.

    Nada disso o impediu de sair da sombra e tornar-se chefe do Poder Legislativo. Mais do que isso, um chefe estridente, capaz de fazer voltar votações em que foi derrotado e disposto a pautar o impeachment da Presidente da República.

    Mas, nem se passou um ano de holofotes, e o comentário de Ciro Gomes recobrou sentido. Novas denúncias vieram, agora com muito mais visibilidade e acompanhadas de clamor popular. Quanto mais alto, maior a queda.

    Este seria o roteiro natural. O Ministério Público suíço bloqueou quase US$ 2,4 milhões em contas secretas de Cunha, tendo como beneficiárias sua esposa e uma de suas filhas. A delação de Julio Camargo à Operação Lava Jato indica que foi exigido por Cunha cerca de US$ 5 milhões como comissão por um contrato de navios-sonda para a Petrobras. E o lobista João Augusto Rezende admitiu à Polícia Federal que o repasse foi feito para contas de Cunha no exterior.

    O que mais falta para Eduardo Cunha sair cassado e algemado do plenário da Câmara Federal? Com muito menos provas outros foram presos.

    Mas não. Permanece presidindo a Câmara como se nada tivesse ocorrido. Ao pior estilo Paulo Maluf insiste, diante dos extratos, que não tem contas no exterior. Vira-se de costas ao corajoso questionamento do deputado Chico Alencar (PSOL-RJ), feito tete a tete. E, na negociata em relação ao impeachment, coloca os destinos do país em função de seu pescoço.

    Cada vez mais as práticas sombrias são feitas sob os holofotes e assim naturalizadas. Contando com blindagem midiática, silêncio das panelas e oportunismo político, Cunha espera sair dessa. E é possível que consiga.
    Muito provavelmente com o apoio do governo petista. O acordo é simples: Cunha senta em cima dos pedidos de impeachment e o PT e parlamentares ainda sob influência do governo salvam Cunha no Conselho de Ética.

    Consumado, esse acordo levará o governo à desmoralização política. O discurso de combate à corrupção sustentado por Dilma perderá o objeto com a salvação de Eduardo Cunha.

    Além disso, mesmo pragmaticamente, é uma manobra duvidosa. O governo perderá a oportunidade de enterrar um inimigo declarado, mantendo-o como ameaça permanente. Qual a segurança para Dilma de que Cunha não pautará o impeachment, logo que os ventos se amainarem? Como se diz no Paraguai, "la garantia soy yo".

    Cunha já mostrou que sabe jogar. Hoje, acuado como está, faz o pedido de Ricardo III antes da queda: "Meu reino por um cavalo!". Se o governo lhe der esse cavalo –além da mancha histórica– poderá tomar um coice na primeira esquina.

    Formado em filosofia pela USP, é membro da coordenação nacional do MTST e da Frente de Resistência Urbana.

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