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    Guilherme Boulos

    Vai tarde

    18/12/2015 17h33

    A saída de Joaquim Levy do Ministério da Fazenda é uma boa notícia. Levy entrou há um ano prometendo ajustar as contas, que hoje estão ainda mais desajustadas. Prometeu também uma "travessia para o crescimento", mas afundou o país em uma recessão histórica. Era o fiador do "grau de investimento". Este também se foi.

    A questão agora é se a política econômica vai junto com o ministro. De nada adianta crucificar Levy e esquecer que foi Dilma quem o colocou e o manteve até agora. De nada adianta tirá-lo do cargo e deixar intocada a política suicida de austeridade. Seria trocar seis por meia dúzia.

    O ajuste fiscal de Dilma e Levy –além de desastroso para os trabalhadores– jogou a economia num ciclo vicioso, alavancado pela redução do investimento público, a retração do consumo e o aumento dos juros.

    O desestímulo à atividade produtiva e ao consumo popular reduziu consideravelmente a arrecadação. Em outubro, caiu 11,3% em relação ao ano anterior. A queda acumulada de 2015 chega próxima a 4%, levando à pior arrecadação em cinco anos. Redução da arrecadação significa desajuste fiscal.

    Outro disparate foi o aumento galopante dos juros. Das eleições de 2014 para cá, a taxa Selic foi elevada em 3,25%. Segundo cálculo do economista João Luis Mascolo, realizado para a BBC, cada meio ponto percentual de aumento dos juros representa um ônus de até R$ 10 bilhões por ano para a União com o pagamento da dívida pública. Ou seja, R$ 65 bilhões de acréscimo com juros apenas em 2015. Novo desajuste fiscal.

    Por isso, este ajuste não é apenas antipopular. Além de atacar direitos trabalhistas, cortar investimentos em programas sociais e produzir recessão e desemprego, nem sequer ajustou as contas. Ao contrário, ampliou o rombo.

    Para manter o pacto com a elite financeira, Dilma reforçou a ideia do senso comum midiático que as dificuldades fiscais remetiam a gastos sociais elevados. Argumento falacioso de quem tem preguiça de ver os números. Muito mais do que programas sociais, o que pressiona o Orçamento são as desonerações fiscais e subsídios pelo BNDES –o Bolsa Empresário– e principalmente os escorchantes juros da dívida pública –o Bolsa Banqueiro.

    Neste ano, estima-se a perda de R$ 104 bilhões em desonerações e R$ 25,5 bilhões em empréstimos subsidiados, que, aliás, foram ambos "compensados" pelos empresários com retração de investimentos e com demissões. O gasto com juros da dívida ultrapassou R$ 277 bilhões. A previsão para o Orçamento de 2016 é de R$ 304 bilhões, sem contar a amortização.

    Já o investimento com o Bolsa Família foi de R$ 27 bilhões neste ano. Com o Fies de R$ 12 bilhões. O Minha Casa, Minha Vida foi praticamente paralisado em 2015. O ajuste fechou a torneira no andar debaixo e a manteve escancarada no andar de cima.

    Essa política fracassou. Conseguiu de uma só vez agravar a recessão, retrair a indústria, ampliar o desemprego e atacar duramente os mais pobres. Só os bancos comemoram novo aumento de seus ganhos.

    Levy vai tarde e não deixará saudades. Nelson Barbosa, o novo ministro, cumprirá as ordens da chefe. Resta saber quais serão elas. Afundar o país de vez na política de austeridade ou apontar caminhos populares para o enfrentamento da crise.

    Por tudo o que temos visto, é difícil acreditar na segunda alternativa, mas talvez seja esta a última chance de Dilma Rousseff.

    Formado em filosofia pela USP, é membro da coordenação nacional do MTST e da Frente de Resistência Urbana.

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