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    Guilherme Boulos

    Bolsonaro e a miséria humana

    21/04/2016 08h51

    "Pela memória do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, o pavor de Dilma Rousseff, pelo exército de Caxias, pelas Forças Armadas, pelo Brasil acima de tudo e por Deus acima de tudo, o meu voto é sim".

    Assim o deputado Jair Messias Bolsonaro votou no último domingo (17) pelo impeachment da presidente Dilma. Para os que não conhecem a história do país suas palavras podem ter passado desapercebidas em meio ao show de horrores daquela várzea que se tornou a Câmara dos Deputados. Mas não.

    Carlos Alberto Brilhante Ustra foi o comandante do DOI-Codi –órgão de repressão da ditadura militar– entre 1970 e 1974. Neste período, é responsabilizado pelo assassinato de pelo menos 50 pessoas e pela tortura de outras tantas. Torturou e matou de forma atroz e covarde, sendo lembrado como um dos maiores carrascos da ditadura.

    Torturou a militante política Amelinha Teles na presença de seus filhos, então com 4 e 5 anos de idade. "Ele levou meus filhos para uma sala, onde eu me encontrava na cadeira do dragão [instrumento de tortura utilizado na ditadura militar em que a pessoa era colocada sentada e sofria choques com fios elétricos atados em diversas partes do corpo], nua, vomitada, urinada... e ele leva meus filhos para dentro da sala? Para mim, foi a pior tortura que eu passei. Meus filhos tinham 5 e 4 anos".

    Torturou a irmã de Amelinha, Criméia de Almeida, grávida: "Apanhei muito e apanhei do comandante. Ele foi o primeiro a me torturar e me espancou até eu perder a consciência, sendo que era uma gestante bem barriguda. Eu estava no sétimo mês de gravidez".

    Torturou por mais de doze horas seguidas o ex-deputado Adriano Diogo, após matar seu colega, o estudante Alexandre Vannuchi Leme: "Tirou o capuz e falou: Acabei de mandar o Minhoca (apelido de Alexandre) para a Vanguarda Popular Celestial. Você vai ser o próximo".

    Torturou o vereador paulistano Gilberto Natalini: "Tiraram a minha roupa e me obrigaram a subir em duas latas. Conectaram fios ao meu corpo e me jogaram água com sal. Enquanto me dava choques, Ustra me batia com um cipó e gritava me pedindo informações".

    Torturou também a presidente Dilma Rousseff, de forma verdadeiramente pavorosa, com choques, pau de arara e arrancando seus dentes: "Era aquele negócio meio terreno baldio, não tinha nem muro direito. Eu entrei no pátio da Operação Bandeirante e começaram a gritar: 'Mata!', 'Tira a roupa', 'Terrorista','Filha da puta'. Você vai ficar deformada e ninguém vai te querer. Ninguém sabe que você está aqui. Você vai virar um 'presunto' e ninguém vai saber...", disse ele então à presidente.

    Um deputado federal render, às vistas de toda a nação, homenagem a um torturador –como justificativa do voto contrário a uma pessoa por ele torturada– é uma perversidade inominável. É ademais crime de apologia à tortura, como denunciou a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil).

    Numa cínica inversão de valores, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, fala em cassar o deputado Jean Wyllys, que, legitimamente enojado com os insultos de Bolsonaro, deferiu-lhe uma cusparada. Ora, o que foi a cusparada de Jean –que representou o desejo de milhões de brasileiros– perto dos elogios canalhas a Brilhante Ustra? Se as leis que protegem os direitos humanos valessem algo no Brasil, Bolsonaro teria saído da seção de domingo cassado e algemado.

    Muitos são os que preferem enxergá-lo como a caricatura do louco, um psicopata. Isso seria aboná-lo. Seria considerar também como loucos os milhares que o exaltam como "Bolsomito" e o 5% do eleitorado que o tem como seu candidato a presidente da República.

    Ao exaltar torturadores, agredir minorias de forma covarde e conclamar a eliminação dos inimigos, Bolsonaro ganha espaço por despertar um ponto sensível da miséria humana. Aquilo que Kant chamou de mal radical e Freud de destrutividade da pulsão de morte.

    Diz Freud, em "O Mal Estar na Civilização": "Sob circunstâncias propícias, quando estão ausentes forças contrárias que a inibem, a agressão se exterioriza espontaneamente, desmascara os seres humanos como bestas selvagens. Em consequência, o próximo representa uma tentação para satisfazer nele a agressão, escravizá-lo, usá-lo sexualmente sem seu consentimento, humilhá-lo, infligir-lhe dores, martirizá-lo, assassiná-lo".

    Este é o estado de espírito do torturador. É também o sentimento que Jair Bolsonaro desperta em seus "Bolsonetes", criando uma verdadeira comunhão do ódio. Aí florescem as sementes do fascismo.

    Pela memória de Alexandre Vannuchi Leme e de todos os mortos da ditadura; pela honra de Amelinha e de todos os torturados da ditadura; por todos eles, é preciso dizer não ao fascista Jair Messias Bolsonaro.

    Formado em filosofia pela USP, é membro da coordenação nacional do MTST e da Frente de Resistência Urbana.

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