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    Guilherme Boulos

    Datafolha em xeque

    21/07/2016 02h00

    Alan Marques-2.mar.2016/Folhapress
    BRASÍLIA, DF, BRASIL 02.03.2016. A presidente Dilma Rousseff e o vice-presidente Michel Temer participam da assinatura de Termo de Ajustamento de Conduta entre a União, os estados de Minas Gerais e do Espírito Santo e a Samarco Mineradora S/A(FOTO Alan Marques/ Folhapress) PODER
    A presidente afastada, Dilma Rousseff, e o interino Michel Temer, em evento em Brasília, em março

    Costuma-se dizer que os números não mentem. É verdade, por si só são puros como a madre Teresa. Mas podem ser levados para o mau caminho. O problema não está nos números, mas em quem os usa e como os usa.

    No último domingo (17) esta Folha estampou na capa pesquisa inédita do instituto Datafolha sobre a popularidade de Temer e as opções dos brasileiros diante da crise política. A principal conclusão da pesquisa foi que "50% preferem manter o presidente interino Michel Temer até 2018". O título da chamada do site foi ainda mais categórico: "Para 50% dos brasileiros, Temer deve ficar".

    Ora, bom para Temer. Melhor ainda se fosse verdade...

    Dizer que 50% dos brasileiros querem a permanência de Temer contraria todas as pesquisas recentes. O Ibope divulgou há vinte dias uma pesquisa mostrando que apenas 31% aprovam a maneira de governar de Temer e que 23% consideram seu governo melhor que o de Dilma, enquanto 25% o julgam pior. Em junho outro instituto, o Vox Populi, apontou que somente 16% consideram o governo Temer melhor do que esperavam e o dobro, 32%, o consideram pior do que suas expectativas.

    Mas o maior ponto fora da curva diz respeito ao tema das novas eleições. Na pesquisa do Datafolha o número dos que apontam essa alternativa é de míseros 3%. Ora, o último levantamento do próprio Datafolha feito em abril indicava 79%. E o do Vox Populi, há menos de um mês, indicou 67%. Seria um case da história da estatística não fosse resultado de um viés comprometedor na questão da última pesquisa.

    A pergunta feita aos entrevistados foi binária: Dilma ou Temer. Ponto. Nenhuma outra alternativa foi apresentada. Os 3% que responderam por novas eleições e os 4% que afirmaram não querer nenhum dos dois tiveram que sair do escopo da pergunta.

    Seria algo como perguntar a um grupo de pessoas se preferem chuchu ou jiló. O fato de metade optar por jiló não autoriza afirmar que 50% da população daquele grupo tem o jiló como preferência alimentar. Este tipo de dedução é o que se chama de argumento falacioso. Talvez 80% gostem mesmo é de cenoura.

    A impopularidade de Dilma foi usada de maneira oportunista para sustentar um impeachment sem base legal. Isso fica mais claro a cada dia, com o desgaste do argumento das pedaladas. Agora, querem usá-la para legitimar o governo de Michel Temer, querendo apresentá-lo como "menos impopular".

    Luciana Chong, do Datafolha, reconheceu em entrevista a Glenn Greenwald, do "The Intercept", que a pesquisa de fato não autorizaria a conclusão de que 50% querem Temer como presidente, sem a informação de que as opções apresentadas estavam limitadas a apenas duas.

    É difícil crer que a manchete enviesada a partir de uma pergunta binária tenha sido um simples descuido. Principalmente em se tratando de um tema tão decisivo para a situação política atual. Tanto o instituto quanto a Folha devem explicações aos seus leitores e à sociedade.

    Formado em filosofia pela USP, é membro da coordenação nacional do MTST e da Frente de Resistência Urbana.

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