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    Guilherme Boulos

    Doria, um gestor em causa própria

    22/09/2016 02h00

    As eleições municipais em São Paulo têm sido palco da tentativa de promover supostos "outsiders" da política, alçados por uma carreira anterior nos negócios e na mídia. João Doria Junior e, em menor medida, Celso Russomanno buscam explorar a imagem de alguém "de fora", alheio às corrupções e negociatas dos políticos.

    O caso de João Doria é emblemático. Vende a fama de gestor empresarial, limpinho e cheiroso, colocando-se como representante do mítico setor privado avesso à corrupção e voltado para o bem comum. Ganhou notoriedade com os eventos do Lide (Grupo de Líderes Empresariais), que reúne os ricaços nacionais e agentes públicos em rega-bofes na badalada Ilha de Comandatuba.

    O Lide se apresenta com os nobres objetivos de contribuir para o "desenvolvimento econômico e social" e fortalecer os "princípios éticos de governança", mas já foi acusado de ser na prática uma grande reunião de lobistas em busca de favorecimentos e ávidos por abocanhar o fundo público. Talvez uma injustiça contra este seleto clube do 1%. Mas João Doria, o patrono destes encontros, mostrou saber valer-se das boas amizades para a gestão de seus negócios pessoais.

    Em 2015 seu grupo empresarial recebeu R$ 950 mil do governo federal, através da Apex (agência responsável pelo fomento às exportações), dirigida por seu amigo David Barioni. A verba pública foi destinada para "organizar eventos no Brasil e no exterior".

    Além disso, conforme revelado no início deste ano, Doria aproveitou uma estada de Barioni em sua luxuosa casa de Campos do Jordão para pedir um favor pessoal, que a Apex bancasse uma exposição de artes de sua esposa, Bia Doria, com custo estimado em R$ 1,7 milhão.

    Do governo estadual de Alckmin, padrinho de sua candidatura, Doria obteve R$ 1,5 milhão por anúncios em revistas da Doria Editora. O que chama mais atenção são os R$ 501 mil destinados para a revista "Caviar Lifestyle", cujo nome já aponta para que público está dirigida. A questão é qual o interesse público em investir esta quantia num anúncio de nove páginas na "Caviar Lifestyle"?

    A imagem de Doria como promotor dos "princípios éticos" é colocada em xeque ainda por outros casos que vieram à tona. Além de cultivar amizades no paraíso natural de Comandatuba, Doria parece ser afeito a negócios no paraíso fiscal das Ilhas Virgens britânicas. Seu nome apareceu recentemente nos famosos "Panama Papers" pela utilização de uma offshore do escritório Mossack Fonseca para a compra de um apartamento em Miami, sem que a propriedade aparecesse em seu nome.

    Doria é conhecido por seu gordo patrimônio imobiliário. Sua casa no Jardim Europa, por exemplo, tem mais de 7.000 m². Mas faz jus à velha máxima de que o rico, quanto mais tem, mais quer. Resolveu expandir sua mansão de Campos do Jordão numa área pública de 400 m². Invadiu área pública. Logo ele, que se apressa em condenar as ocupações de sem-teto na cidade de São Paulo. Só pode invadir se for mansão, candidato?

    E como se não bastasse, apesar da Justiça ter determinado reintegração de posse em 2009, há sete anos, o puxadinho-caviar de Doria permanece lá. A tropa de choque de Alckmin, tão "eficiente" em outros casos, parece não conhecer o caminho da mansão de Campos do Jordão.

    Todos estes fatos confirmam que João Doria é mesmo um "bom gestor", mas um gestor em causa própria. Ter a capacidade de aumentar seu patrimônio e obter vantagens –por meios bastante questionáveis– não habilita ninguém para a função pública. Ao contrário, inspira desconfiança.

    O dono da "Caviar Lifestyle", assim como a maioria de seus parceiros do setor privado, de limpinho e cheiroso parece só ter a fama e o colarinho. Fama sustentada por boas peças de marketing eleitoral. Estado mínimo é só para os investimentos sociais. Quando se trata de financiar seus projetos e interesses com verba pública defendem mesmo é o Estado máximo. De "novo" este tipo de gestão não tem nada.

    Formado em filosofia pela USP, é membro da coordenação nacional do MTST e da Frente de Resistência Urbana.

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