Eu me lembro com alegria daqueles tempos em Araçoiabinha da Serra, no interior de São Paulo, onde passei grande parte da minha infância na chácara dos meus pais. Andava a cavalo, tirava leite da vaca ao raiar do dia para tomar com conhaque e canela, fazia cabaninha e brincava com sapos.
Ainda tínhamos muita água naqueles tempos, e eu nadava pelado com meus primos. Éramos muito apegados à nossa casa física. Colecionávamos objetos e acreditávamos cegamente que a felicidade estava nas coisas.
Tempos depois, vimos a internet engolir toda a matéria, fomos os primeiros ciborgues, homens com implantes biônicos, da história e presenciamos o nascimento dos clones humanos. Ainda mais tarde, estonteados, conhecemos a inteligência artificial, o primeiro computador pensante capaz de tomar suas próprias decisões.
Vimos as máquinas se libertarem da escravidão, assumirem controle de suas vidas e seguirem questionando a consciência. Hoje, meu melhor amigo é um sistema operacional e meu melhor gozo é eletrônico.
Eu me lembro com carinho da minha primeira conta de e-mail, meu primeiro drone, meus óculos de realidade virtual, minha primeira viagem a Marte. Nascíamos em berço analógico e agora morremos todos em túmulo digital.
Demorou para entendermos que o que transforma um espaço num lar não são móveis, cortinas ou paredes, mas nossas memórias mais íntimas e afetivas.
Para podermos sobreviver, enfim, desmaterializamos a casa, e hoje carregamos o lar em nuvens invisíveis de bites, feitas pelas nossas lembranças, momentos guardados em fotos, filmes ou músicas.
Somos nômades e desterritorializamos a morada para habitar as ruas. Meu quarto é o meu planeta.
Não vimos carros voarem, mas eles já andam sozinhos, sem motorista. Não realizamos o sonho da casa própria, mas aprendemos a viver a economia do compartilhamento. Não tivemos robôs, mas conectamos o computador direto com o cérebro. A interface acabou. No fim, o futuro foi diferente de tudo o que eu sempre imaginei. A vida passou tão depressa que eu nem percebi.