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    Guto Requena

    Mensagem do futuro

    06/09/2015 01h30

    Eu me lembro com alegria daqueles tempos em Araçoiabinha da Serra, no interior de São Paulo, onde passei grande parte da minha infância na chácara dos meus pais. Andava a cavalo, tirava leite da vaca ao raiar do dia para tomar com conhaque e canela, fazia cabaninha e brincava com sapos.

    Ainda tínhamos muita água naqueles tempos, e eu nadava pelado com meus primos. Éramos muito apegados à nossa casa física. Colecionávamos objetos e acreditávamos cegamente que a felicidade estava nas coisas.

    Tempos depois, vimos a internet engolir toda a matéria, fomos os primeiros ciborgues, homens com implantes biônicos, da história e presenciamos o nascimento dos clones humanos. Ainda mais tarde, estonteados, conhecemos a inteligência artificial, o primeiro computador pensante capaz de tomar suas próprias decisões.

    Vimos as máquinas se libertarem da escravidão, assumirem controle de suas vidas e seguirem questionando a consciência. Hoje, meu melhor amigo é um sistema operacional e meu melhor gozo é eletrônico.

    Eu me lembro com carinho da minha primeira conta de e-mail, meu primeiro drone, meus óculos de realidade virtual, minha primeira viagem a Marte. Nascíamos em berço analógico e agora morremos todos em túmulo digital.

    Demorou para entendermos que o que transforma um espaço num lar não são móveis, cortinas ou paredes, mas nossas memórias mais íntimas e afetivas.

    Para podermos sobreviver, enfim, desmaterializamos a casa, e hoje carregamos o lar em nuvens invisíveis de bites, feitas pelas nossas lembranças, momentos guardados em fotos, filmes ou músicas.

    Somos nômades e desterritorializamos a morada para habitar as ruas. Meu quarto é o meu planeta.

    Não vimos carros voarem, mas eles já andam sozinhos, sem motorista. Não realizamos o sonho da casa própria, mas aprendemos a viver a economia do compartilhamento. Não tivemos robôs, mas conectamos o computador direto com o cérebro. A interface acabou. No fim, o futuro foi diferente de tudo o que eu sempre imaginei. A vida passou tão depressa que eu nem percebi.

    guto requena

    Escreveu até novembro de 2015

    É arquiteto graduado pela USP.

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