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    Helio Mattar

    Consumismo e baixa autoestima formam círculo vicioso

    11/12/2017 17h00

    Comprar faz você feliz? Ninguém consegue negar o prazer de entrar em uma loja e comprar um produto ou serviço muito desejado. Mas, será que, passada a euforia momentânea, esta satisfação vai de fato ajudar a sustentar a sua felicidade?

    Numa visão mais panorâmica, consumir não é sinônimo de bem-estar. Apesar de ter aumentado o seu poder de consumo nos últimos 50 anos, a população dos Estados Unidos não sente uma melhora no seu bem-estar, segundo uma pesquisa da American Psychological Association. Em comparação às condições da década de 50, hoje os norte-americanos podem ter o dobro de carros por pessoa e comer fora de casa com uma frequência duas vezes maior - mas esse conforto não veio acompanhado de uma maior felicidade.

    E o que explica esse aparente contrassenso? Cientistas vêm constatando uma relação muito próxima, praticamente de retroalimentação, entre consumismo e baixa autoestima, além de ser relacionado a patologias como depressão e ansiedade.

    A relação entre baixa autoestima e materialismo é relativamente fácil de entender: a autoestima pode ser definida como o apreço que uma pessoa confere a si própria, permitindo-lhe ter confiança nos próprios atos e pensamentos. Uma pessoa com baixa autoestima tende a "externalizar" o seu processo de valorização, ou seja, superestimar fatores externos.

    Isso pode ser ainda mais pronunciado nesta era das redes sociais, quando é comum buscar reconhecimento na aprovação de terceiros, por meio de curtidas e compartilhamentos. Além disso, somos bombardeados com imagens superproduzidas de viagens, eventos e refeições maravilhosas a todos os momentos, que muitas vezes alimentam um sentimento de inferioridade em relação aos "amigos" da rede social. Será que só eu sou inadequado na sociedade?

    Somado a isso, propagandas e anúncios trazem essa vida perfeita retratada de maneira muito acessível - basta adquirir o produto que está sendo vendido e tudo está resolvido.

    Mas, a expectativa é frustrada e a viagem divertida com os amigos não se manifesta magicamente após a compra daqueles óculos de sol, não nos tornamos executivos de sucesso imediatamente após comprar "aquele" carro e não entramos em forma apenas por comprar o tênis mais leve do mercado, insatisfações provocadas pelo discurso da publicidade de que comprar vai nos deixar mais felizes. Mas, neste sonho delirante, a única coisa que se torna realidade são as contas, que nem sempre se fecham no fim do mês.

    E os sentimentos de inadequação e frustração continuarão, afinal, as pessoas das redes sociais e das propagandas seguem levando as suas vidas aparentemente perfeitas, diminuindo ainda mais a autoestima.

    Continuaremos navegando pelas redes sociais e estaremos expostos a propagandas. E então, o que podemos fazer?

    Em primeiro lugar, ter consciência de que este é o processo já é um grande passo. Passamos a ter elementos para entender melhor o que se passa, ao menos racionalmente. Depois, vem o mais difícil: apropriarmos, com a mente e o coração, um sentido para a vida que vá muito além do consumo, que responda ao que é realmente importante na vida de cada um.

    Nesse sentido, a pesquisa Rumo à Sociedade do Bem-estar, do Instituto Akatu, perguntou aos entrevistados o que eles consideravam ser felicidade. A resposta, para dois terços dos entrevistados, foi estar saudável e/ou ter sua família saudável.

    Conviver bem com a família e os amigos também foi apontado como fator de felicidade para 60% do público que respondeu à pesquisa. Isso mostra que a maior parte da sociedade brasileira compartilha a noção de que, uma vez satisfeitas as necessidades básicas, a felicidade é encontrada no que temos de mais humano, o bem estar físico próprio e daqueles de quem gostamos e o afeto em si pelos amigos e pela família. Não inclui o caminho do consumismo.

    Um outro fator a ser trabalhado no dia a dia, de maneira a enfraquecer ou quebrar o círculo vicioso da insatisfação no consumo e da autoestima, é estimular um diálogo aberto sobre a nossa autoimagem, nossos valores e a importância da aceitação da diversidade nos círculos dos quais fazemos parte, abrindo espaço para a autorreflexão e, por meio da troca de sentimentos e experiências, criar espaço para a percepção de que todos vivemos essas mesmas emoções e, com isso, nos valorizarmos a nós mesmos e aos outros.

    Inicia-se outro círculo, dessa vez virtuoso, que tende a ficar mais forte conforme as pessoas se sintam mais à vontade de ser quem elas de fato são. E assim, podendo identificar com mais facilidade o que realmente faz feliz ou pelo menos traz contentamento suficiente, a cada um de nós. E quase que certamente descobriremos que isso está muito longe de ter o último modelo de smartphone.

    helio mattar

    É doutor em engenharia industrial pela Universidade Stanford (EUA), um dos fundadores do Instituto Ethos e diretor-presidente do Instituto Akatu

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