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    Hélio Schwartsman

    Médicos no pelourinho?

    01/03/2014 03h30

    SÃO PAULO - Os cubanos que participam do Mais Médicos estão num regime de trabalho análogo à escravidão? Meu amigo Ives Gandra da Silva Martins escreveu um interessante artigo tentando mostrar que sim. Destrinchou o contrato que rege a atuação desses profissionais no Brasil e foi apontando as muitas ilegalidades em que incorre.

    Do ponto de vista jurídico, Ives tem razão. Se o Ministério Público do Trabalho quiser, não terá dificuldades para questionar o Mais Médicos. Penso, porém, que juízos valorativos acerca do programa devem ser feitos com base em considerações éticas e não jurídicas. Afinal, se há algo perto de um consenso acerca da legislação trabalhista brasileira é o de que ela é ruim, amarrando demais as relações entre patrões e empregados.

    E, no plano da ética, a discussão é mais complicada. Sei que o Ives é fã de matrizes deontológicas, nas quais o certo e o errado encontram definições naturais ou positivas, mas eu tendo a abraçar modelos mais consequencialistas, nos quais as ações são julgadas primordialmente pelos resultados que produzem.

    Sob essa perspectiva, mais importante do que perguntar se o cubano está sendo tratado com justiça (um conceito irredutivelmente metafísico) é determinar se aqui ele está melhor ou pior do que em Cuba. Se ganha mais aqui e veio de livre e espontânea vontade (tão livre quanto possível numa ditadura como a cubana), não caberiam objeções trabalhistas à empreitada. O fato de haver médicos de outras nacionalidades ganhando mais do que ele não anula o aprimoramento de sua situação. No mais, se nosso cubano estiver pensando em desertar, tem mais chances de fazê-lo estando no Brasil do que na ilha.

    É claro que o programa permanece vulnerável a outras críticas. Ele é caro, por exemplo. Acho que conseguiríamos efeito sanitário semelhante contratando enfermeiros. O problema é que o marketing político exige que tenham o título de médicos.

    hélio schwartsman

    É bacharel em filosofia, publicou 'Pensando Bem...' (Editora Contexto) em 2016.
    Escreve às terças, quartas, sextas, sábados e domingos.

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