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    Hélio Schwartsman

    A magia do PIB

    07/09/2014 02h00

    SÃO PAULO - O IBGE registrou queda de 0,6% no PIB do segundo trimestre. O instituto também reviu o número do primeiro trimestre, que passou do 0,2% para -0,2%.

    Para a oposição, dois trimestres seguidos de encolhimento da economia colocam o Brasil numa recessão técnica. Para o governo, cifras inferiores a 0,5% não bastam para configurar avanços nem contrações, o que livraria momentaneamente a atual administração do inconveniente rótulo de ter posto o país em recessão.

    Essa querela de versões é de fato importante ou trata-se de uma picuinha eleitoral? Inclino-me pela primeira opção. É verdade que apenas evitar o carimbo "recessão" não melhora em nada a situação macroeconômica, que é bem fraquinha. Mas a hipótese inversa, isto é, oficializar a recessão, pode produzir efeitos não apenas econômicos (piora nas expectativas) como também eleitorais (mais desgaste para o governo).

    Estamos aqui diante de uma das maiores maravilhas da linguagem, que é sua capacidade de criar realidades imaginárias, isto é, coisas que só existem nas nossas cabeças, mas que, nem por isso, deixam de ter pesada concretude. O exemplo mais contundente é o do dinheiro. A rigor, 90% da moeda em circulação não corresponde nem sequer a cédulas de papel colorido, não passando de registros contábeis digitais. A imaterialidade não impede que essas ficções intersubjetivas determinem a vida de bilhões de pessoas.

    E a lista dessas abstrações concretas é longa. Ao dinheiro, somam-se pessoas jurídicas, direitos humanos, a sensação de possuir uma nacionalidade, pertencer a uma religião ou ter um clube de futebol, além, é claro, da convicção compartilhada de estarmos ou não numa recessão.

    Segundo o historiador Yuval Harari, foi essa faceta da linguagem que nos libertou da prisão da biologia. Essas narrativas criadoras são também o mais perto da mágica que a conseguimos chegar. Hocus pocus!

    hélio schwartsman

    É bacharel em filosofia, publicou 'Pensando Bem...' (Editora Contexto) em 2016.
    Escreve às terças, quartas, sextas, sábados e domingos.

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