SÃO PAULO - Como sempre, João Pereira Coutinho levantou questões interessantes em sua coluna da última terça-feira, na qual discorreu sobre agnosticismo, ateísmo e ciência, para concluir que não podemos concluir nada. De um modo geral, concordo com sua conclusão, mas acho que a discussão pode ser enriquecida com algumas ideias do cético Michael Shermer.
Para o autor de "Cérebro e Crença", a única posição filosoficamente responsável é o agnosticismo, que proclama não haver elementos suficientes para demonstrar com certeza nem que Deus existe nem que não existe, de modo que só nos resta suspender momentaneamente o juízo acerca dessa questão. Mas isso só vale no plano intelectual. No comportamental, não dá para ser agnóstico. Quando se trata do mundo real, ou o sujeito age como se houvesse um Deus pessoal ao qual terá de prestar contas no final dos tempos, ou como se não houvesse.
É por isso que eu não hesito em me declarar ateu. Faz pelo menos duas gerações que Jeová não pauta a vida de ninguém na minha família –e a crença (ou descrença) religiosa se transmite geneticamente de pais para filhos na proporção de 41% a 47%.
Isso, porém, não é tudo. Um corpo crescente de pesquisas em psicologia, antropologia, história, mitologia comparativa e sociologia sugere que Deus e a religião são construções sociais humanas. É claro que isso fica muito aquém de provar a inexistência do Criador, que permanece como uma questão à parte, mas pode bastar para erodir nossa confiança bayesiana nesse gênero de história.
Como provoca Shermer, nos últimos 10 mil anos, os homens produziram cerca de 10 mil religiões com pelo menos mil deuses. Qual é a probabilidade de que Jeová seja o verdadeiro e Amon Ra, Zeus, Apolo, Baal, Brahma, Odin, Mitra, Vishnu e mais 991 sejam todos falsos? Como dizem os céticos, todo mundo é ateu em relação aos deuses dos outros.
É bacharel em filosofia, publicou 'Pensando Bem...' (Editora Contexto) em 2016.
Escreve às terças, quartas, sextas, sábados e domingos.