SÃO PAULO - Embora eu seja um entusiasta da alternância do poder, não vejo o instituto da reeleição como uma besta a combater. Como essa posição pode parecer contraditória, convém explicá-la melhor.
A alternância é essencial para a democracia. É ela que marca a distinção entre Estado e governo. Enquanto o primeiro é uma instituição permanente e impessoal, o segundo é transitório e tem a face de um político. Quando um determinado dirigente ou grupo se eterniza no poder, promove uma confusão perversa entre a estrutura do Estado e a do governo.
Um bom exemplo é o STF. Se um partido passa 20 anos no comando, tem a oportunidade de indicar a maioria dos ministros da casa. Mesmo que tente fazer as melhores escolhas, muito provavelmente elegerá nomes afinados com suas ideias, quando, do ponto de vista das instituições, seria preferível uma composição ideologicamente mais diversa.
A necessidade de alternância não implica estabelecer um sistema de rodízio a prazo fixo. É da essência da democracia que o eleitor tenha voz e, se a maioria dos cidadãos considera que um governante deve ser reconduzido, não há por que impedi-lo. Bons administradores não são mercadoria tão fácil de encontrar.
É verdade que a simples existência da reeleição já altera as regras do jogo, fazendo com que o eleito inicie sua administração preparando o terreno para conquistar o segundo mandato, o que frequentemente é sinônimo de medidas eleitoreiras. Mas não creio que a resposta a esse problema seja simplesmente acabar com a reeleição. A tentação de ser pessoalmente reconduzido não é tão diferente assim da de colocar um amigo ou companheiro de partido no posto.
A verdade é que, numa democracia mais madura, menos sujeita a clientelismos e populismos, a alternância desponta como consequência natural, pois crises econômicas acontecem e o poder desgasta. É a esse ponto que precisamos chegar.
É bacharel em filosofia, publicou 'Pensando Bem...' (Editora Contexto) em 2016.
Escreve às terças, quartas, sextas, sábados e domingos.