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    Hélio Schwartsman

    A mãe-natureza

    29/10/2014 02h00

    SÃO PAULO - O que move defensores dos direitos dos animais como o grupo que atacou uma fazenda de criação de chinchilas? Nosso primeiro impulso é afirmar que eles nutrem um respeito quase religioso pela natureza. Mas só imaginar isso já significa entrar num terreno pantanoso, no qual quase nenhuma de nossas intuições para em pé.

    Para começar, é complicado falar em natureza. A menos que descambemos de vez para a religião, é difícil acreditar que ela tenha um plano para os seres vivos. Admitamos, porém, pelo prazer da discussão, que a gentil mãe-natureza atue teleologicamente. Neste caso, o desafio passa a ser identificar qual é seu objetivo. A perpetuação da espécie, se apressará em dizer o aluno aplicado.

    Aceita a premissa, boas medidas do sucesso de uma espécie são a quantidade de indivíduos com o qual ela conta e também a sua distribuição pelo planeta. Por esses critérios, galináceos e bovinos estão entre os animais mais exitosos. Sua população se conta na casa dos bilhões –incomparavelmente mais do que a de bichos parecidos que originalmente ocupavam o mesmo nicho– e estão em todos os recônditos da Terra. Apesar do sucesso das duas espécies, a maioria dos indivíduos leva uma vida miserável, sendo criados em condições nada invejáveis e abatidos de forma cruel.

    Isso ocorre porque a seleção atua primordialmente no nível dos genes. São eles e não os indivíduos que se perpetuam. E bois e galinhas só contam com superpopulações porque têm genes que os tornam facilmente domesticáveis e que deixam sua carne saborosa para o gosto humano.

    O paradoxo aqui é que, na métrica da natureza, o indivíduo, por cuja libertação lutam os defensores dos animais, importa pouco. Na imagem consagrada por Richard Dawkins, indivíduos não passam de máquinas de sobrevivência para os genes. E o que é bom para o gene pode ser até mesmo péssimo para o indivíduo.

    hélio schwartsman

    É bacharel em filosofia, publicou 'Pensando Bem...' (Editora Contexto) em 2016.
    Escreve às terças, quartas, sextas, sábados e domingos.

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