• Colunistas

    Thursday, 02-May-2024 09:37:58 -03
    Hélio Schwartsman

    O crime perfeito

    05/11/2014 02h00

    SÃO PAULO - Vender novas drogas pela internet só não é um crime perfeito porque a atividade nem sequer pode ser considerada criminosa.

    Como mostrou reportagem de Rogerio Pagnan e Reynaldo Turollo Jr., o promotor Cássio Conserino encomendou pela rede e recebeu em pleno fórum criminal da Barra Funda, em São Paulo, um pacote com maconha sintética e pentedrona. Mas, como essas são substâncias novas, que ainda não foram incluídas no rol de drogas proibidas elaborado pela Anvisa, quem as comercializa não incorre em tráfico de entorpecentes, de modo que não há muito que o promotor possa fazer.

    E o problema é estrutural. Químicos ousados tendem a ser mais rápidos do que a burocracia estatal. Sempre haverá um estoque de substâncias psicoativas, seus isômeros e moléculas aparentadas que não estará coberto pela lei. Uma solução seria equiparar ao tráfico a venda e a cessão de todo produto que não esteja explicitamente autorizado pelo poder público, mas aí estaríamos pecando por excesso. Até comadres que oferecem chazinhos a suas vizinhas se tornariam traficantes.

    E isso é apenas parte da encrenca. A "deep web", a porção da internet que não fica exposta aos programas de busca, permite que iniciados adquiram com relativa segurança mesmo os produtos já há muito proibidos. Simplesmente não há como –e nem seria desejável– monitorar todas as interações entre pessoas na rede de computadores.

    A grande verdade, que o Estado moderno em seu delírio de onipotência nem sempre enxerga, é que a ideia de regular o que uma pessoa pode fazer com seu próprio corpo carece de sentido. O despropósito é não apenas prático, como agora revelam novas questões suscitadas pela internet, mas também filosófico. Eu pelo menos jamais assinaria um contrato social em que delegaria a terceiros a decisão sobre o que posso ou não fazer comigo mesmo.

    hélio schwartsman

    É bacharel em filosofia, publicou 'Pensando Bem...' (Editora Contexto) em 2016.
    Escreve às terças, quartas, sextas, sábados e domingos.

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024