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    Hélio Schwartsman

    Compromisso com a mudança

    07/11/2014 02h00

    SÃO PAULO - O que eu gosto na democracia americana é que ela é orgânica. Enquanto, por aqui, a prática democrática vem de cima para baixo e só ganha materialidade quando formalizada em lei, no país ao norte ela brota de baixo para cima. São as experiências das pessoas que se convertem em normas, não a vontade arbitrária do legislador.

    Esse fenômeno é especialmente forte nas consultas populares. Eleitores do Distrito de Colúmbia, Oregon e Alasca, somando-se aos do Colorado e de Washington, decidiram legalizar o consumo recreativo da maconha.

    O problema é que, pelas leis federais, a erva continua proibida. Como os Estados por definição são parte da União, o uso da droga está ao mesmo tempo permitido e banido. Policiais locais têm de deixar os maconheiros em paz, mas estes podem ser presos por um agente do FBI, conforme entendimento da Suprema Corte.

    Essa situação seria impensável no Brasil. Nossa Constituição não só retira dos Estados o direito de legislar sobre a maioria dos temas importantes, como matérias penais, mas também estabelece que, nos casos em que a competência legislativa é concorrente, prevalece a norma federal.

    Esse horror à indefinição facilita a vida de juízes, mas limita a experiência democrática. No caso dos EUA, o conflito federativo foi não só antevisto pelos autores da Constituição como considerado positivo. No papel federalista nº 28, Hamilton escreveu: "Se os seus direitos [do povo] forem invadidos por um deles [União ou Estados], podem utilizar o outro como instrumento de reparação".

    Há sabedoria aí. O período de indefinição pode funcionar como um laboratório para o surgimento de consensos. A primeira lei local que liberava a maconha medicinal surgiu tímida em 1996. De lá para cá, 23 dos 50 Estados adotaram a novidade. Isso dificilmente ocorreria se, a exemplo do que exige o modelo brasileiro, a mudança de paradigma tivesse de surgir de uma só vez em todo o país.

    hélio schwartsman

    É bacharel em filosofia, publicou 'Pensando Bem...' (Editora Contexto) em 2016.
    Escreve às terças, quartas, sextas, sábados e domingos.

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