• Colunistas

    Friday, 03-May-2024 20:47:38 -03
    Hélio Schwartsman

    Disposições finais

    08/11/2014 02h00

    SÃO PAULO - A morte de Brittany Maynard, a jovem de 29 anos que sofria de câncer terminal e tirou a própria vida segundo os ritos da lei de suicídio assistido do Estado de Oregon, reacendeu o debate sobre a eutanásia nos EUA e no mundo.

    O que fazer quando já não há possibilidade de cura e a perspectiva é a de uma morte agonizante? Não entro aqui no mérito do discurso religioso segundo o qual o suicídio é um pecado aos olhos de Deus. Pessoas religiosas têm todo o direito de acreditar nisso e suportar até o fim tudo o que vier, mas parece absurdo querer aplicar essa diretriz a quem não partilha da mesma visão de mundo ou nem crê na existência de um Criador.

    O problema aqui é que as objeções à eutanásia não são exclusividade de religiosos. Há também um raciocínio laico contra o suicídio assistido e outras formas de abreviamento da vida. Para essa corrente, permitir medidas desse quilate não apenas dá margem a abusos como acabaria criando uma cultura da morte. Se alguns pacientes gravemente enfermos optam por sair de cena antes de se tornar um fardo para o companheiro ou a família ou de fazer com que a conta do hospital chegue à estratosfera, estariam induzindo outros doentes em situação análoga a seguir o mesmo caminho mesmo que, na intimidade, não o desejassem.

    A preocupação é legítima, mas não creio que o mero incentivo, e ainda assim indireto, a uma conduta que nem deveria comportar julgamento moral baste para bloquear o direito, a meu ver líquido e certo, que a pessoa deve ter de dispor da própria vida.

    A verdade é que a morte tende a ser uma experiência cruel e solitária. Não há receita única para enfrentá-la, já que indivíduos variam enormemente em seus valores, autoimagem, tolerância à dor, noções de dignidade e outros critérios que ganham relevância nos momentos finais. Diante disso, acho que a única coisa decente a fazer é deixar com que cada um escolha seu próprio caminho.

    helio@uol.com.br

    hélio schwartsman

    É bacharel em filosofia, publicou 'Pensando Bem...' (Editora Contexto) em 2016.
    Escreve às terças, quartas, sextas, sábados e domingos.

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024