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    Hélio Schwartsman

    Injustiças e carteiradas

    12/11/2014 02h00

    SÃO PAULO - Em boa hora a Corregedoria Nacional de Justiça decidiu que vai revisar o caso envolvendo um magistrado do Rio de Janeiro e uma agente de trânsito que foi condenada a indenizá-lo por ter dito que ele era juiz, mas não era Deus.

    A fatídica declaração ocorreu em fevereiro de 2011, após o magistrado ter sido parado pela agente numa blitz sem a carteira de habilitação e num carro sem placas. A sentença que a condenou a pagar R$ 5.000 por danos morais saiu há duas semanas.

    Não surpreende que o caso tenha ganhado repercussão nacional, já que encerra elementos que são "cheesecake" mental para a fome que representantes da espécie humana nutrimos por boas histórias.

    O que mais chama a atenção é a inversão de papéis. No plano simbólico, o poderoso juiz, que estava inapelavelmente errado, não apenas deixou de ser punido como ainda faturou uma indenização da humilde servidora, que cumprira com diligência seu papel ao não conceder tratamento especial à autoridade. Injustiças flagrantes sempre funcionam para tornar uma história cativante.

    O segundo ponto relevante é o corporativismo da sentença. Num contexto republicano, o magistrado nem deveria ter-se identificado como juiz durante a blitz, já que isso não poderia alterar sua situação legal. Ao contrário até, o fato de um representante da Justiça estar cometendo tantas irregularidades deveria ser motivo de embaraço. Mas a condição profissional do magistrado serviu não apenas para ele dar voz de prisão à agente (outra injustiça) como ainda fundamentou a sentença de indenização.

    Para o desembargador que decidiu o caso, era "natural" que o magistrado informasse que era "juiz de Direito" e que, "mesmo ciente da função pública desempenhada por ele", a agente de trânsito "agiu com abuso de poder, ofendendo-o". Aqui, o desembargador institucionalizou a carteirada. Ainda bem que magistrados não são deuses, ou seria ainda pior.

    hélio schwartsman

    É bacharel em filosofia, publicou 'Pensando Bem...' (Editora Contexto) em 2016.
    Escreve às terças, quartas, sextas, sábados e domingos.

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