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    Hélio Schwartsman

    Tensão sigilosa

    16/11/2014 02h00

    SÃO PAULO - Deu na Folha que os gastos secretos do Planalto com cartões de crédito bateram recorde. As despesas da Presidência devem mesmo ser mantidas longe dos olhares do público? Até onde vai o sigilo?

    A questão é complexa. Nem todos os segredos são iguais. Alguns deles são necessários para manter a sociedade coesa e funcionando. A amizade seria impossível se não pudéssemos contar com a discrição. E isso é só o começo. Se os sigilos profissionais fossem revogados, o consultório médico se tornaria a antessala da cadeia –e seria inútil buscar um advogado para sair de lá: tudo o que lhe disséssemos seria usado contra nós.

    Banqueiros sairiam por aí fazendo relatos detalhados dos gastos comprometedores de seus clientes e contadores contariam a todos quais empresas passam por dificuldades. Quem, em desespero, procurasse um padre para desabafar correria o risco de ver o sacerdote desfilar em público a lista dos pecados cometidos.

    Defensores inflexíveis da transparência podem argumentar que esses casos dizem respeito à esfera privada, onde o segredo é necessário, mas não ao poder público. Concordo em parte. Questões atinentes ao Estado devem estar mais abertas ao escrutínio público do que as relações entre indivíduos, mas mesmo aí a transparência total é impossível. Generais não podem divulgar os planos de defesa do país, nem o ministro da Fazenda pode segredar a amigos as próximas medidas econômicas.

    Qual o limite, então, entre o que pode e o que não pode ser revelado? Penso que a regra geral é a da publicidade, mas o governo pode impor a servidores o dever de sigilo em relação a certos temas sensíveis (que não incluem os gastos da Presidência). Obviamente, essa obrigação não se estende a terceiros. A imprensa pode e deve tentar furar o bloqueio. A tensão é desejável porque reduz o risco de mandatários abusarem, transformando em segredo de Estado o que não passa de incômodo político.

    hélio schwartsman

    É bacharel em filosofia, publicou 'Pensando Bem...' (Editora Contexto) em 2016.
    Escreve às terças, quartas, sextas, sábados e domingos.

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