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    Hélio Schwartsman

    Ilusões matemáticas

    15/02/2015 02h00

    SÃO PAULO - Não apenas matemáticos mas também físicos tendem a ser irremediavelmente platônicos e endeusar os números. Já aludi neste espaço a Eugene Wigner, que, num artigo de 1960, se pergunta de onde vem a inesperada eficácia da matemática nas ciências naturais.

    Wigner não está só. Antes dele, ninguém menos do que Albert Einstein já tinha provocado: "Como é possível que a matemática, sendo um produto do pensamento humano, que é independente da experiência, se ajuste tão admiravelmente aos objetos da realidade física?"

    Eis aí um assunto em que não tenho opinião formada. Mas, como ao ler "The Number Sense", de Stanislas Dehaene, topei com uma boa resposta não mística à pergunta dos eminentes físicos, achei que valia a pena oferecer ao leitor um gostinho dela.

    Dehaene é um matemático que migrou para a neurociência e a psicologia. Como convém a um cientista responsável, ele é imaculadamente materialista e vê a matemática como um produto de nossos cérebros.

    O problema é que, assim como não conseguimos evitar ver objetos como sendo de alguma cor, também não conseguimos deixar de perceber números, formas e outros objetos matemáticos como se fossem uma realidade externa. Essa ilusão é tão poderosa, diz Dehaene, que faz com que a matemática pareça um mundo platônico já acabado cujas múltiplas facetas precisamos apenas descobrir.

    Essa ilusão consegue invadir a física porque esta se utiliza da linguagem matemática. Mas cuidado para não perder de vista aqui o espaço amostral. Matemáticos produzem quantidades assombrosas de matemática pura, da qual uma parte muito pequena acaba servindo aos físicos. É um processo que lembra a seleção natural. E, da mesma forma que é absurdo inferir um Projetista a partir de um olho, não faz muito sentido ver sinais do Grande Geômetra no fato de uma ínfima porção da matemática ser útil para os físicos.

    hélio schwartsman

    É bacharel em filosofia, publicou 'Pensando Bem...' (Editora Contexto) em 2016.
    Escreve às terças, quartas, sextas, sábados e domingos.

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