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    Hélio Schwartsman

    Oceano invisível

    17/02/2015 02h00

    SÃO PAULO - Diante da situação de estresse hídrico, nossa principal preocupação é evitar que as torneiras sequem, o que é compreensível. É provável até que, se um rodízio drástico na região metropolitana de São Paulo for evitado, as pessoas festejem e, de quebra, permitam que a culpa do governador Geraldo Alckmin, o responsável último pela tragédia aquosa, se dilua um pouco.

    A comemoração, porém, seria precoce. A redução da oferta de água e a incompetência do governo paulista em preveni-la já geraram uma série de efeitos que, embora não sejam tão óbvios como as torneiras desidratadas, são também nocivos. O impacto da seca sobre a economia, por exemplo, já é inevitável. Só o que falta determinar é quanto exatamente ela vai deduzir do já enxuto PIB e acrescentar à já edemaciada inflação.

    Outros efeitos menos visíveis incluem desemprego –pequenos comércios que usam muita água, como lavanderias e cabeleireiros, já passam por dificuldades– e até um provável aumento de doenças como dengue e chikungunya, já que a estocagem de água em condições subótimas favorece a proliferação do mosquito transmissor dessas moléstias.

    E isso pode ser só a ponta do iceberg. É que as ciências sociais são míopes para conexões causais um pouco mais remotas, de modo que pode haver um oceano de efeitos invisíveis. Raymond Fisman e Edward Miguel, por exemplo, estudando as tragédias africanas, descobriram que o impacto de secas explica os conflitos na região até melhor do que as divisões étnicas. Eles identificaram também uma correlação entre anos sem água e aumento das mulheres acusadas de bruxaria na Tanzânia. É que, quando as coisas apertam, as comunidades selecionam alguns de seus membros para sacrificar. Classificar mulheres mais idosas como bruxas acaba sendo uma saída psicologicamente menos custosa.

    Se serve de consolo, por aqui bruxas dificilmente serão queimadas.

    hélio schwartsman

    É bacharel em filosofia, publicou 'Pensando Bem...' (Editora Contexto) em 2016.
    Escreve às terças, quartas, sextas, sábados e domingos.

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