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    Hélio Schwartsman

    Omissão de socorro

    20/02/2015 02h00

    SÃO PAULO - Em sua coluna de sábado, minha colega Mariliz Pereira Jorge defendeu a tese de que time de futebol não é herança, de modo que as crianças deveriam ser deixadas livres para escolher seus próprios clubes do coração.

    No plano intelectual, eu não poderia concordar mais. Da mesma maneira que não me parece muito certo transmitir a filhos uma religião antes de eles terem idade para decidir se querem ou não segui-la, não soa muito católico exigir que o garoto seja um adepto do mesmo time do pai.

    Na esfera afetiva, contudo, as coisas tendem a ser mais complicadas. Se o sujeito está convencido de que todos os que não seguem sua religião estão condenados ao inferno, é demais cobrar-lhe que não introduza em sua fé um ser que ama, correndo o que imagina ser o risco de sujeitá-lo a sofrimentos eternos. Eu mesmo já tive de enfrentar uma situação dessas, mas encontrei uma solução não autoritária, que divido com o leitor.

    Sou pai de gêmeos e, alguns anos atrás, quando os meninos estavam descobrindo o futebol, expliquei-lhes didaticamente que eu torcia para o Corinthians por ser o melhor time do mundo. Eles se convenceram, mas, pouco depois, provavelmente por influência de coleguinhas, um dos garotos começou a exibir preocupantes tendências são-paulinas. Ato contínuo, aumentei a mesada do que permanecera fielmente corintiano. Funcionou à perfeição. Sem impor nada nem limitar-lhe o livre-arbítrio, fiz com que o filho rebelde retornasse ao bom caminho, onde está até hoje.

    Será que é ético subornar um indivíduo para que faça o que é melhor para ele, como tirar boas notas, parar de fumar, perder peso? Admito que seria preferível fazer as coisas certas pelas razões certas ("pelo sentido do dever", no vocabulário kantiano), mas, se existe um atalho que funciona e o resultado nos parece vital, será que temos o direito de não utilizá-lo? Isso não seria o equivalente moral da omissão de socorro?

    hélio schwartsman

    É bacharel em filosofia, publicou 'Pensando Bem...' (Editora Contexto) em 2016.
    Escreve às terças, quartas, sextas, sábados e domingos.

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