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    Hélio Schwartsman

    O valor dos valores

    21/02/2015 02h00

    SÃO PAULO - A coluna de ontem, em que revelei como convenci meu filho que apresentava tendências são-paulinas a retornar ao seio do corintianismo –para quem não leu: eu aumentei a mesada de seu irmão gêmeo–, gerou bem mais e-mails do que eu poderia supor. A maioria dos leitores compreendeu o tom meio brincadeira meio reflexão do texto. Alguns, porém, me acusaram, ao que parece seriamente, de grave desvio ético. Como a questão dá pano para a manga, volto ao tema.

    Começo me defendendo. Não creio que a acusação de corruptor faça muito sentido. Para sustentá-la teríamos de classificar o ato de torcer pelo Corinthians como ilegal ou pelo menos imoral. Ainda que alguns palmeirenses particularmente exaltados possam pensar assim, acho que o entendimento médio, a perspectiva do que os norte-americanos chamam de "reasonable man", é o de que não há diferença moral em apoiar o clube A ou B. Parece mais adequado, portanto, falar em incentivos indiretos (tomei o cuidado de não reduzir a mesada do menino) do que em corrupção ou chantagem.

    Um argumento mais sutil contra minha atitude é o levantado pelo filósofo Michael Sandel. Para ele, certas esferas, como educação e deveres cívicos, precisam ser mantidas longe do alcance do mercado. É que, para o professor de Harvard, quando atribuímos valor monetário a determinadas coisas, acabamos por desvirtuá-las. Se pago meu filho para ler um livro, estou deturpando o valor da leitura, que deveria ser intrínseco.

    Não discordo do diagnóstico de Sandel, mas tenho restrições em relação a suas recomendações. O dinheiro, afinal, é útil por ser uma moeda de troca universal. Se ele não tivesse esse caráter abstrato, que permite intercambiar valores que de outra maneira seriam incomensuráveis, eu teria de encontrar um açougueiro interessado em ler textos jornalísticos cada vez que quisesse adquirir um filé, o que me condenaria à inanição.

    hélio schwartsman

    É bacharel em filosofia, publicou 'Pensando Bem...' (Editora Contexto) em 2016.
    Escreve às terças, quartas, sextas, sábados e domingos.

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