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    Hélio Schwartsman

    Jornadas improváveis

    DE SÃO PAULO

    01/03/2015 02h21

    SÃO PAULO - Por que os animais e plantas estão onde estão? Por que há crocodilos em todos os continentes, exceto a Antártida, e o ornitorrinco está restrito à Oceania? Como cada ser vivo foi parar onde está?

    "The Monkey's Voyage" (a viagem do macaco), do biogeógrafo americano Alan de Queiroz, conta várias histórias improváveis de como animais atravessaram oceanos em jangadas acidentais ou mesmo em icebergs e, de quebra, dá uma bela mostra de como funciona a ciência.

    Ele mostra que, após a descoberta da deriva continental no início do século 20, foi ganhando aceitação entre os biólogos a tese de que a maioria das espécies esteve onde está desde sempre. Elas parecem hoje diferentes porque tiveram evolução distinta devido ao surgimento de barreiras naturais, como foi, por exemplo, a separação da América do Sul da África 184 milhões de anos atrás.

    Nos anos 70 e 80, essa hipótese, elegante e de alto poder explicativo, era a dominante. Mas eis que surgiram os relógios moleculares, que permitem estimar a partir da análise de DNA quanto tempo atrás duas espécies se diferenciaram e os cientistas viram que as datas não batem. A separação entre macacos do novo e velho mundo, por exemplo, é mais recente do que a dos continentes.

    E, como ensinava Sherlock Holmes, eliminando o impossível, o que quer que sobre, por mais improvável que pareça, deve ser a verdade. Se os macacos não estavam nos dois continentes desde sempre e hoje estão, forçosamente chegaram a um deles singrando mares. Aos poucos, a teoria de que o mundo de hoje foi colonizado através de fortuitas jornadas oceânicas, da qual Queiroz é um entusiasta, vai desbancando a anterior. Ao que parece, elegância e verdade, ao contrário do que os físicos gostam de acreditar, não estão necessariamente correlacionadas.

    Igualmente interessante, o novo modelo, para horror de físicos e religiosos, reforça o papel do acaso.

    hélio schwartsman

    É bacharel em filosofia, publicou 'Pensando Bem...' (Editora Contexto) em 2016.
    Escreve às terças, quartas, sextas, sábados e domingos.

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