SÃO PAULO - Se deixarmos de lado as chantagens políticas e casuísmos em torno da chamada PEC da bengala, que eleva de 70 para 75 anos a aposentadoria compulsória de servidores públicos, ficamos com uma interessante discussão que mistura demografia com sociologia das instituições. Bem, relendo a oração anterior, reconheço que parece bem chato, mas asseguro que o conteúdo é melhor do que sua descrição.
Em termos demográficos, a mudança faz sentido. A expectativa de vida da população brasileira está aumentando e a fecundidade das mulheres caindo em ritmo acelerado. Assim, se quisermos manter o sistema previdenciário viável, as pessoas terão de trabalhar –e pagar suas contribuições– por mais tempo. Sob essa ótica, a PEC ainda é pouco. Mais do que ter a oportunidade de manter-se na ativa até os 75, os servidores e os trabalhadores em geral cedo ou tarde serão obrigados a fazê-lo.
O mundo, porém, não vive apenas de previdência. O poder é outro aspecto relevante de nossas realidades. E não há dúvida de que magistrados do Supremo e das cortes superiores –se aprovada, a PEC valerá imediatamente para essa carreira, mas não para as demais– exercem um bom naco de poder.
A questão, então, passa a ser determinar se é desejável prorrogar o período durante o qual os poderosos têm oportunidade de desempenhar suas funções. Aqui, eu receio que o quadro comece a pender para o outro lado. Pessoas costumam desenvolver uma visão de mundo e agarrar-se a ela. Manter um juiz por muito tempo no cargo significa reduzir o espaço para mudanças na sociedade pela via das decisões judiciais.
Haveria, é claro, outras formas de resolver o dilema. Poderíamos, por exemplo, adotar mandatos fixos não renováveis para os juízes. Mas, com o Executivo enfraquecido, o mais provável é que os parlamentares apenas tirem de Dilma a chance de indicar seis novos ministros para o STF.
É bacharel em filosofia, publicou 'Pensando Bem...' (Editora Contexto) em 2016.
Escreve às terças, quartas, sextas, sábados e domingos.