SÃO PAULO - "A pressão é tão grande que os ministros acabam violentando suas convicções pessoais." A declaração, do defensor de um dos réus na Lava Jato, é reveladora do delicado momento epistemológico por que passa o Judiciário.
O advogado sugere aqui que a ânsia da população por ver corruptos na cadeia está levando magistrados do Supremo a tomar decisões que não tomariam se atuassem livremente. Nas entrelinhas está a ideia de que os ministros não estão julgando tecnicamente, mas politicamente.
O pressuposto dessa dicotomia é o de que existe uma verdade jurídica que estaria ao alcance do magistrado desapaixonado. A ideia, em que pese combinar doses perigosas de platonismo e positivismo, prospera porque se ajusta bem às nossas intuições de verdade/falsidade e certo/errado.
O problema dessa visão é que ela não é muito compatível com recentes achados científicos. É claro que há julgamentos quase puramente políticos. É só lembrar dos gladiadores romanos cujo destino era decidido pelo ruído da multidão e o polegar do imperador. Há outros bem técnicos, como aqueles definidos por uma única prova científica, como um teste de DNA num caso de paternidade.
Só que a maioria das situações reais são bem mais ambíguas. São tantos os elementos que influem na decisão de um juiz e tão complicadas suas interações que não faz muito sentido tentar descrever isso em termos de categorias binárias.
Nas últimas décadas, vários experimentos mostraram que os julgadores são suscetíveis a vieses que limitam sua capacidade de decidir objetivamente. Eles vão desde traços de personalidade e preferências ideológicas até fatores banais, como o nível de fome na hora de proferir a decisão.
Se a ciência ensina algo, é que a ideia de uma Justiça técnica e objetiva não passa de um mito. Como a sociedade não pode prescindir de um Judiciário, precisamos aprender a lidar melhor com suas imperfeições.
É bacharel em filosofia, publicou 'Pensando Bem...' (Editora Contexto) em 2016.
Escreve às terças, quartas, sextas, sábados e domingos.