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    Hélio Schwartsman

    Neutralidade de gênero

    29/03/2015 02h00

    SÃO PAULO - "Uma língua é um dialeto com exército e marinha." O chiste do autor iídiche Max Weinreich escancara as relações entre idioma e poder. Elas são inegáveis, mas qual a sua extensão? É possível para um grupo poderoso impor distinções linguísticas que não estejam antes na cabeça das pessoas? O que vem antes, o conceito ou a palavra?

    Depois de mais de uma década de árdua batalha linguística, que opôs feministas e a turma do LGBT aos puristas do idioma, a próxima edição do dicionário da Academia Sueca, a ser publicada no dia 15, vai trazer, além dos pronomes pessoais "han" (ele) e "hon" (ela), a forma neutra "hen". A ideia é utilizá-la quando o sexo da pessoa é desconhecido, quando o indivíduo ao qual se refere é transgênero ou quando o falante considera que não é o caso de especificar.

    O pronome "hen" fora proposto nos anos 60, mas foi só a partir de 2000 que a ideia caiu nas graças de ativistas e se tornou uma causa. A Academia Sueca não tinha alternativa que não registrar a forma, já ela vinha sendo utilizada de modo crescente em meios de comunicação, documentos e até sentenças judiciais.

    Vejo o pronome com simpatia. Ele permite uma cortesia pública para com um grupo marginalizado e dá mais liberdade a autores na hora de falar ou escrever, mas sou cético em relação ao efeito que a novidade possa ter na redução da discriminação.

    Embora especificidades da língua possam exercer um efeito limitado e modesto em nossas atitudes, é praticamente impossível fazer com que as pessoas deem peso a ideias que já não estejam antes em suas mentes. Sempre que se tenta esterilizar o idioma com a adoção de um eufemismo –"alcoólatra" no lugar de "bêbado", por exemplo–, é questão de tempo até que ele seja contaminado pelas mesmas conotações negativas e precise ser substituído –"etilista", "dependente". Infelizmente, policiar a língua não basta para resolver injustiças ou quebrar preconceitos.

    hélio schwartsman

    É bacharel em filosofia, publicou 'Pensando Bem...' (Editora Contexto) em 2016.
    Escreve às terças, quartas, sextas, sábados e domingos.

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