• Colunistas

    Saturday, 04-May-2024 13:56:31 -03
    Hélio Schwartsman

    Limites da lealdade

    17/04/2015 02h00

    SÃO PAULO - João Vaccari Neto, até anteontem o tesoureiro do PT, está no xadrez. Ele suportará seu destino calado, como fez Delúbio Soares, ou vai dar com a língua nos dentes? Até onde vai a lealdade ao partido? Mais relevante ainda, a lealdade é uma virtude? De modo geral, ela é considerada uma, mas não é difícil ver que fazê-lo leva a paradoxos.

    Se você é leal a um grupo de bandidos ou a uma causa maléfica, está, obviamente, do lado moralmente errado. Um nazista leal é provavelmente uma contradição em termos, ainda que possamos conceber um nazista desleal, que seria o membro do partido que aceita propina para deixar judeus fugirem, por exemplo. Alguém poderia até argumentar que, em determinadas circunstâncias, a deslealdade é que se torna virtude.

    E isso nos leva para o terreno das motivações. O nazista desleal pôde ser considerado desleal porque agia por interesse próprio e não por um fim moral. Mas estamos dispostos a ver como herói o executivo de uma empresa que, por altruísmo, denuncia seus crimes ambientais ou outras práticas condenáveis, ainda que, ao fazê-lo, ele viole a ética profissional.

    A dificuldade aqui, suspeito, é que a lealdade é um sentimento que evoluiu para operar no contexto do Pleistoceno, quando vivíamos em grupos minúsculos de indivíduos geralmente aparentados. Em sociedades muito mais complexas como as de hoje, nossas teias de compromissos são mais extensas. Devemos lealdade à família, mas também aos amigos, à categoria profissional e à sociedade, sem esquecer, é claro, do Corinthians. Não é difícil que esses interesses entrem em choque.

    No plano individual, não há regra para resolver os paradoxos, mas, do ponto de vista da sociedade, a questão é óbvia. Não cabe ao poder público promover a ética entre foras da lei. Mecanismos que tenham em vista a promoção do bem comum, como delações premiadas e acordos de leniência, são uma necessidade.

    hélio schwartsman

    É bacharel em filosofia, publicou 'Pensando Bem...' (Editora Contexto) em 2016.
    Escreve às terças, quartas, sextas, sábados e domingos.

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024