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    Hélio Schwartsman

    A vanguarda do atraso

    19/05/2015 02h00

    SÃO PAULO - Ninguém precisa gostar do aborto. Mas não creio que o Estado possa legitimamente regular o que se passa nas entranhas de uma mulher. Isso é assunto dela, sobre o qual sua autoridade deve ser soberana –mesmo que não concordemos com suas decisões.

    Na verdade, a mulher já é normalmente a parte que mais sofre quando tem de fazer um aborto. Dificilmente a lei positiva se revelará um freio mais efetivo à prática do que as disposições psicológicas inatas da espécie. Se ainda assim a mulher opta pela interrupção, é porque realmente não há espaço para um bebê em sua vida naquele momento.

    Tudo isso são truísmos de que a maioria das sociedades da Europa ocidental –e até mesmo os pios norte-americanos– já se deu conta há várias décadas. Na América Latina, porém, como mostrou Sylvia Colombo na Folha no último domingo, a regra são legislações arcaicas que nada mais fazem do que ampliar a já generosa dose de sofrimento no mundo.

    Prova-o a história da menina paraguaia de dez anos que engravidou após ter sido estuprada pelo padrasto, e cuja mãe foi presa como cúmplice, mas teve negado seu pedido para abortar. No Paraguai, a interrupção da gravidez só é legal quando há risco de vida para a mãe, e a Justiça entendeu que este não era o caso da garota, apesar de ela pesar apenas 34 kg e medir 1,39 m.

    E o Paraguai nem é o país com legislação mais retrógrada na América Latina. Chile, El Salvador e Nicarágua proíbem o aborto mesmo que necessário para salvar a mãe. Pior, usam essas leis. Em El Salvador, 17 mulheres foram condenadas a mais de 30 anos de prisão. Detalhe: elas foram denunciadas por seus médicos.

    Apenas o Uruguai descriminalizou o aborto, mas só o fez em 2012 e ainda impõe à mulher uma série de barreiras, como a exigência de passar por aconselhamento psicológico e de fazer a chamada pausa para reflexão. Pobre América Latina!

    hélio schwartsman

    É bacharel em filosofia, publicou 'Pensando Bem...' (Editora Contexto) em 2016.
    Escreve às terças, quartas, sextas, sábados e domingos.

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