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    Hélio Schwartsman

    Compromisso com o acerto

    02/06/2015 02h00

    SÃO PAULO - Quão sábias são as multidões? A pergunta é traiçoeira. Elas podem ser incrivelmente espertas e primitivamente obtusas. A linha de separação é tênue e depende do tipo de erro com que lidamos.

    Se o erro tem distribuição aleatória, nada melhor do que usar a opinião de um bocado de gente para eliminá-lo. É que os pontos de vista mais extremos se anulam e o que sobra é sensatez. Cuidado, não estamos falando só de ideias fluidas de baixo conteúdo empírico, mas também de juízos objetivamente verificáveis.

    Em 1906, sir Francis Galton, o polêmico primo de Darwin, ficou fascinado ao descobrir, numa feira agrícola, que a média das estimativas desencontradas de 787 pessoas sobre o peso de um bezerro chegou surpreendentemente perto (desvio de 0,08%) do peso aferido. Galton, que era um aristocrata com tendências elitistas, teve de dar o braço a torcer: "O resultado parece dar mais crédito à confiabilidade do juízo democrático do que se poderia esperar".

    O fenômeno acontece o tempo todo. A resposta mais popular entre espectadores de programas como "Quem Quer Ser um Milionário" está certa em 90% das vezes.

    Se isso fosse tudo, democracias seriam perfeitas, mas sabemos que não são. Por quê? É que nem todos os erros têm distribuição aleatória. Muitos deles são sistemáticos, isto é, estão baseados em vieses cognitivos que os tornam extremamente populares, fazendo das decisões por maioria uma arma. Essa dinâmica fica clara em fenômenos de massa como o sucesso de medidas populistas, linchamentos e brigas de torcida.

    Apesar de caminhar perigosamente perto da tirania da maioria, democracias são superiores a outros regimes porque têm maior propensão a corrigir-se. Ao contrário de reis e partidos, grupos heterogêneos não têm muito compromisso com erros do passado. Nesse contexto, é alvissareiro ver que Michel Temer já admite que o governo cometeu "equívocos".

    hélio schwartsman

    É bacharel em filosofia, publicou 'Pensando Bem...' (Editora Contexto) em 2016.
    Escreve às terças, quartas, sextas, sábados e domingos.

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