SÃO PAULO - Rachel Dolezal era uma ativista dos direitos de negros. Seu mundo começou a ruir depois que seus pais deram uma entrevista em que afirmam que ela é branca e apresentaram fotos de família em que a jovem Rachel aparece com cabelos loiros e olhos azuis.
Dolezal, que se apresentava como negra, teve de renunciar ao cargo de presidente da seccional de Spokane da NAACP (Associação Nacional para o Progresso das Pessoas de Cor) e se tornou centro de uma controvérsia nacional, na qual figura como algo entre oportunista e farsante.
Não sei o que motivou Dolezal a agir assim, mas há aqui uma interessante discussão sobre o que é ser negro. Os americanos, ao contrário de brasileiros, têm pouca flexibilidade nessa matéria. A questão da identidade ali ficou marcada pela regra do "one drop blood" (uma gota de sangue), pela qual as leis de segregação racial que vigoraram no país consideravam negro qualquer um que tivesse ancestrais desta cor. A ideia era que o sangue negro, mesmo em doses diminutas, bastava para corromper o indivíduo, que deveria ser tratado como escravo e, após a abolição, como cidadão de segunda classe.
As leis de segregação começaram a ser revogadas após a 2ª Guerra e, hoje, o Censo incentiva as pessoas a se declararem de todas as "raças" que considerarem pertinentes. Ainda assim, a atitude de Dolezal causa escândalo. O próprio Obama, embora seja filho de branca, marca apenas "negro" nos formulários.
Ser negro é um fato biológico ou social? Provavelmente, os dois. Há doenças hereditárias que são quase exclusivas de populações negras –e de brancas. Não há dúvida, porém, de que as distinções que construímos em nossas mentes são bem mais significativas do que as que possam existir nos genes. Uma boa estratégia de combate ao racismo é tentar sabotar a diferenciação, aceitando que cada um eleja a identidade que preferir, sem policiamento racial.
É bacharel em filosofia, publicou 'Pensando Bem...' (Editora Contexto) em 2016.
Escreve às terças, quartas, sextas, sábados e domingos.