SÃO PAULO - Congressistas debatem se ONGs e cidadãos têm a obrigação de denunciar às autoridades práticas indígenas que atentem contra direitos humanos. Os deputados já disseram que quem deixar de delatar casos de homicídio, estupro e maus-tratos entre silvícolas bem como gravidezes com alto risco de resultar em infanticídio responderá pelo crime de omissão de socorro. Vários antropólogos e a própria Funai são contra a medida. A proposta vai agora para o Senado.
O que os parlamentares no fundo discutem é quão universais são os direitos universais. Se eles de fato valem para todos em todas as circunstâncias, então não há dúvida de que deixar de denunciar equivale a omissão de socorro. Neste caso, entretanto, o projeto é tímido já que não prevê nenhuma punição para os índios que cometem as violações.
E os problemas decorrentes dessa versão forte da universalidade dos direitos não acabam aqui. No limite, teríamos de despachar tanques de guerra para as aldeias ianomâmis para assegurar, por exemplo, que mulheres não sofressem mais discriminação, como determinam a Declaração Universal dos Direitos do Homem e a Constituição.
Até John Wayne reconheceria que essa não é uma política sábia. A maior ameaça à vida e ao bem-estar dos indígenas que pertencem a grupos com pouco contato com os brancos é justamente o excesso de interferência, que os lança num processo de desagregação cultural com altíssimos índices de mortalidade.
Faz mais sentido que nos conformemos com uma versão mais fraca da universalidade dos direitos universais, na qual eles aparecem como um ideal a atingir e não como normas concretas a ser implementadas pela força se necessário. Num caso análogo, os americanos, sob George W. Bush, já tentaram levar a democracia ao Oriente Médio "manu militari" e só ajudaram a criar o caos nas áreas em que intervieram.
É bacharel em filosofia, publicou 'Pensando Bem...' (Editora Contexto) em 2016.
Escreve às terças, quartas, sextas, sábados e domingos.