SÃO PAULO - Há dois nós a travar o surgimento de possíveis saídas políticas para a crise. O primeiro é a permanência de Eduardo Cunha à frente da Câmara dos Deputados, e o segundo, o impasse em torno da abertura de um processo de impeachment contra Dilma Rousseff.
Em relação ao primeiro, é incrível que os parlamentares ainda não tenham pressionado Cunha a renunciar, senão ao mandato de deputado, pelo menos ao cargo de presidente da Câmara. Não porque todos ali sejam santos, mas apenas porque Cunha está suficientemente enrolado para que os demais deputados tenham aguçados os seus instintos de sobrevivência e tentem algo para preservar a imagem da Casa.
"A hipocrisia é uma homenagem que o vício presta à virtude", afirmou François de La Rochefoucauld (1613-1680). À primeira vista, a frase pode parecer até um pouco cínica, mas, no fundo, ela revela o fundamento de qualquer sistema ético, pois mostra que mesmo quem está disposto a violá-lo reconhece que existem valores que são percebidos como positivos ou como negativos.
A questão do impeachment é mais enrolada, e o Supremo Tribunal Federal, com as liminares que concedeu, não contribui para torná-la mais simples, como seria desejável. É verdade que um processo conduzido por Cunha, com todos os problemas que o deputado coleciona, poderia ser visto como ilegítimo, mas daí a travar a decisão sobre a abertura ou não dos procedimentos tornando-a necessariamente monocrática e sob o tacão do presidente da Câmara me parece um contrassenso.
Pior até, um contrassenso que viola o próprio espírito da democracia, já que cria uma situação em que nem mesmo uma substancial maioria dos deputados teria instrumentos para reverter a decisão tomada por um único parlamentar. Em teoria, o presidente da Casa deveria ser um "primus inter pares", um deputado como os outros, sem reunir superpoderes.
É bacharel em filosofia, publicou 'Pensando Bem...' (Editora Contexto) em 2016.
Escreve às terças, quartas, sextas, sábados e domingos.