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    Hélio Schwartsman

    Cobrança indevida

    11/11/2015 02h00

    SÃO PAULO - Há uma assimetria fundamental nas relações de trabalho. Para um sujeito se arranjar, basta que ele consiga um emprego. Em condições normais, isso já lhe assegura o salário no fim do mês. Mas, para que a empresa em que ele atua e o país prosperem, é necessário que o profissional execute o seu trabalho, isto é, que acrescente valor.

    Faço essas reflexões a propósito da disputa judicial que a Prefeitura de São Paulo trava para eliminar as regulações que exigem a presença do cobrador nos ônibus. É difícil até imaginar função menos produtiva do que essa. Num cenário em que mais de 90% das tarifas são pagas através do Bilhete Único, que dispensa qualquer intervenção humana, o cobrador não tem quase nada para fazer.

    Não foi por culpa dos cobradores que sua função tornou-se pouco produtiva. Se há um responsável por isso, foram os avanços tecnológicos. O fato, porém, é que manter esses profissionais ficou irracional. Pelas planilhas das viações, os gastos com cobradores representam R$ 0,60 da tarifa de R$ 3,50, totalizando R$ 1,2 bilhão por ano, o que representa 17% do custo de um sistema fortemente subsidiado pelos cofres municipais. Mesmo que haja algum exagero nessa conta, é muito para auxiliar alguns poucos passageiros que acabariam se virando de qualquer forma.

    A insistência com que brasileiros mantemos por força de leis e decretos profissões que perderam a razão de ser me lembra uma passagem de Frédéric Bastiat (1801-50) que já citei aqui. Em "Sofismas Econômicos", ele imagina uma petição ao rei para que os súditos sejam proibidos de usar a mão direita. A razão do pedido é explicada na forma de silogismo: quanto mais uma pessoa trabalha, mais rica ela fica; quanto mais dificuldades precisa superar, mais trabalha; logo, quanto mais dificuldades uma pessoa tem de superar, mais rica ela se torna. De algum modo, ao resistir à tecnologia, estamos, como sociedade, abraçando essa lógica.

    hélio schwartsman

    É bacharel em filosofia, publicou 'Pensando Bem...' (Editora Contexto) em 2016.
    Escreve às terças, quartas, sextas, sábados e domingos.

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