A conjunção das crises econômica e política está tirando o pão da boca do brasileiro, mas não podemos nos queixar de que tenhamos ficado sem circo. Desde meados da semana passada, estamos sendo regalados diariamente com lances de um grande espetáculo político, que inclui prisões espetaculares, votações decisivas e decisões judiciais dramáticas.
Em relação ao gênero, a marca é a copiosidade. Alternamos entre a ópera-bufa, em que personagens burlescos oferecem explicações satíricas para suas ações (gesto humanitário, prêmio de sorteio), e a tragédia, já que as consequências da dupla crise são funestas.
E não se trata de uma trama vulgar. Ao contrário, o roteiro é dos mais sofisticados. As prisões são competentemente coreografadas pela Polícia Federal e vêm num "timing" cuidadosamente calculado pelo Ministério Público para manter o máximo de suspense. A narrativa é complexa, trazendo pistas que mesmo espectadores não ingênuos não sabem dizer se são verdadeiras ou falsas.
O problema é que os vários subenredos ficaram tão enrolados que não se vislumbra uma solução óbvia para a trama. Ao que tudo indica, estamos diante de uma daquelas peças em que, ou bem todos os personagens importantes morrem, ou o autor saca um "deus ex machina" que resolve milagrosamente todos os impasses. Como no mundo real não existem deuses, a primeira hipótese parece menos inverossímil.
O poeta satírico romano Juvenal cunhou a expressão "pão e circo" ("panis et circenses") para denunciar a decadência do povo romano que abrira mão de ser o protagonista das grandes decisões e passou a esperar ansiosamente apenas duas coisas: pão e circo (Sátiras, X).
Como, no Brasil, estamos com muito circo, mas cada vez menos pão, é pouco provável que a fórmula dos césares para ir tocando o governo funcione por muito tempo.
É bacharel em filosofia, publicou 'Pensando Bem...' (Editora Contexto) em 2016.
Escreve às terças, quartas, sextas, sábados e domingos.