SÃO PAULO - Armas nucleares, ao contrário de tanques e fuzis, são feitas com o propósito de jamais ser utilizadas. Seu teatro de operações não é o território inimigo, mas a mente do adversário. Ganha quem convence a outra parte de que não tem nada a ganhar iniciando o conflito. Obviamente, quem não pode ser atacado (pelo menos não numa guerra total) se torna poderoso.
Durante a maior parte da Guerra Fria, EUA e URSS atuaram sob a lógica da doutrina MAD (acrônimo inglês para "destruição mútua assegurada"), que, ironicamente, significa "louco". Pela MAD, você deve acumular arsenais suficientemente grandes –de preferência capazes de destruir a Terra várias vezes– e mantê-los fora do alcance de inimigo, de modo a conservar a capacidade de responder mesmo depois de sofrer um primeiro ataque –daí a ênfase em mísseis e submarinos atômicos, que podem passar anos submersos.
Numa descrição mais formal, EUA e URSS operavam para consolidar a situação em que nenhum jogador teria nada a ganhar mudando sua estratégia unilateralmente. É o que, em teoria dos jogos, leva o nome de equilíbrio de Nash.
Funcionou, já que Washington e Moscou puderam manter alto nível de belicosidade por meio século sem trocar diretamente um só tiro.
O pressuposto da teoria dos jogos e também o da MAD e mesmo o de investidas não tão ambiciosas no tabuleiro nuclear é o de que todos os participantes são atores racionais. É aí que a coisa pega. Não nos sentimos seguros quando a segurança planetária depende de figuras como Kim Jong-un agirem racionalmente.
Psicologicamente, é verdade. Mas, mais objetivamente, apesar da imprevisibilidade do regime norte-coreano, ele não deu mostras de que age irracionalmente. Ao contrário, todos os passos que ensaiou até aqui, incluindo suas chantagens nucleares, não só são lógicos como tiveram êxito.
É bacharel em filosofia, publicou 'Pensando Bem...' (Editora Contexto) em 2016.
Escreve às terças, quartas, sextas, sábados e domingos.