SÃO PAULO - Tem cheiro de factoide o projeto de Fernando Haddad (PT-SP) de realizar eleições diretas para subprefeito em São Paulo.
A fim de facilitar a argumentação, imaginemos que não existam dúvidas jurídicas quanto à constitucionalidade da proposta e que não haja grandes dificuldades logísticas para implementá-la. Ainda assim, ela me parece um pouco duvidosa.
Fazemos parte de uma cultura sedenta por democracia, que se acostumou a equiparar a palavra "eleição" a valores positivos. Ocorre que nem sempre a votação direta é a melhor maneira de tomar decisões e de designar pessoas para cargos.
Nos EUA, por exemplo, em várias jurisdições, juízes são escolhidos em eleições diretas. O resultado é uma forte tendência ao populismo judicial, no qual juízes, não raro sanguinários, se parecem mais com políticos do que com magistrados que se guiam por uma atuação técnica.
Mesmo no Brasil, durante muito tempo, o vice-presidente da República era definido numa eleição direta independente da do presidente. Isso significa que ele também gozava de apelo popular e, muitas vezes, era membro da oposição. O resultado prático é que pagávamos para ter uma espécie de conspirador oficial.
Por vezes, a solução mais funcional para o preenchimento de cargos é a nomeação por alguma autoridade eleita, mecanismo que busca preservar a legitimidade democrática (ainda que apenas derivada e não originária) e impõe um filtro para a capacitação técnica. Se a função envolver grandes responsabilidades, o ideal é que ocorra no âmbito de um sistema de freios e contrapesos, no qual outras instituições, como o Legislativo, também se manifestem.
Não é que subprefeitos eleitos sejam uma aberração, mas não vejo, no projeto de Haddad, um benefício potencial que me convença de que vale a pena incorrer nos custos materiais e nos prováveis problemas políticos que surgiriam.
É bacharel em filosofia, publicou 'Pensando Bem...' (Editora Contexto) em 2016.
Escreve às terças, quartas, sextas, sábados e domingos.