SÃO PAULO - O que deu errado na Venezuela? A partir de meados do século passado, o país tinha tudo para dar certo. Seus indicadores de educação e saúde estavam um pouco acima da média do continente sul-americano e a Venezuela foi poupada das ditaduras que assolaram a região durante a Guerra Fria.
O país, porém, foi amaldiçoado com generosas reservas de petróleo. Normalmente, nações celebram a identificação de novos campos, mas, se olharmos mais detidamente para a história de países que se descobriram detentores de ricas jazidas de recursos naturais não renováveis, veremos que o "ouro negro" também pode ser descrito como o "excremento do diabo" (a expressão é do diplomata venezuelano Juan Pablo Pérez Alfonso, um dos criadores da Opep).
Os efeitos econômicos da dependência de recursos naturais, subsumidos na expressão "doença holandesa", são bem conhecidos. Mas existem também efeitos políticos que não são tão amiúde lembrados. Sobretudo quando esses recursos são facilmente monopolizáveis, como é o caso do petróleo, governantes tendem a ter um péssimo desempenho e, não raro, a violência aumenta.
Como explica Steven Pinker, recursos dessa natureza concentram poder e riqueza nas mãos de quem os monopoliza. O líder do grupo governante não só não tem nenhum incentivo em desenvolver redes de produção e comércio que poderiam tornar a sociedade mais rica como muitas vezes passa a perseguir obsessivamente os que vê como rivais, que poderiam tirar-lhe a galinha dos ovos de ouro.
Se Hugo Chávez, no início de sua presidência, teve a sensibilidade necessária para tentar desconcentrar a renda do petróleo, rapidamente caiu na armadilha descrita por Pinker. Com isso, a Venezuela acabou se tornando um país falido, que rompeu com a democracia e pode estar a um passo de um violento conflito civil.
Talvez a cadente viabilidade do pré-sal seja na verdade uma dádiva.
É bacharel em filosofia, publicou 'Pensando Bem...' (Editora Contexto) em 2016.
Escreve às terças, quartas, sextas, sábados e domingos.