SÃO PAULO - Não é o caso, mas, se eu achasse que o Exército Islâmico (EI) faz coisas boas, aproximando o homem do Criador, deveria ter o direito de dizê-lo? Até onde vai a liberdade de expressão? Mesmo admitindo que ela não é absoluta, em que ponto se deve traçar o limite?
Essa é uma interessante discussão filosófica e jurídica. Países que levam a liberdade de expressão a sério, estabelecem balizas que não permite muitas restrições. Nos EUA, por exemplo, o uso da palavra só viola as regras do jogo se trouxer perigo real e imediato –algo como gritar "fogo!" num teatro lotado sem que haja de fato um incêndio. Fora disso, você pode elogiar ou criticar quem quiser, do Partido Nazista (sim, ele existe dentro da lei ali) a Donald Trump.
A lógica aqui é a de que as más ideias precisam aparecer no debate público, para que tenham a chance de ser suplantadas pelas boas.
Democracias mais mequetrefes, porém, tendem a criminalizar discursos que fujam aos consensos sociais. O Brasil, que nunca primou muito na defesa da liberdade de expressão, acaba de dar um passo que definitivamente o lança na categoria das democracias mequetrefes. Nossos valorosos parlamentares incluíram na Lei Antiterror um dispositivo que permite condenar a 13 anos de cadeia o sujeito que, num comentário a notícia na internet, manifeste seu apoio ao EI ou a qualquer outra organização terrorista. Pelo que foi aprovado, isso configura apologia ou incitação ao terrorismo, delito com pena de até oito anos de reclusão, que pode ser aumentada em 2/3 pelo fato de ter ocorrido por meio da rede de computadores.
Diga-se, "en passant", que os deputados conseguiram a façanha de piorar substancialmente o projeto que vinha do Senado, que já era muito ruim. O golpe contra a liberdade de expressão é só um dos aspectos. Dilma ainda pode vetar essa peça de terrorismo legislativo, mas é muito pouco provável que o faça.
É bacharel em filosofia, publicou 'Pensando Bem...' (Editora Contexto) em 2016.
Escreve às terças, quartas, sextas, sábados e domingos.