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    Hélio Schwartsman

    Inveja da Islândia

    06/04/2016 02h00

    SÃO PAULO - "Nada em biologia faz sentido senão à luz da evolução", ensinava o grande geneticista ucraniano Theodosius Dobzhansky (1900-1975). E não é só a biologia. Pelo menos nos aspectos mais gerais, a observação de Dobzhansky vale também para a política.

    A exemplo de tecidos e organelas, estruturas políticas evoluem recorrendo a adaptações. Quando os norte-americanos inventaram a Presidência da República utilizaram o que tinham à disposição, que era a monarquia. O resultado foi a criação de um Executivo cujo titular pode ser descrito como rei por prazo fixo.

    Faço tal consideração devido a uma crítica recorrente. Sempre que defendo a legalidade do impeachment, leitores escrevem dizendo que no presidencialismo não cabe o voto de desconfiança típico do parlamentarismo e que não pode haver impedimento por incompetência. Será?

    Se o voto de desconfiança é um mecanismo útil para resolver crises e se a incompetência tende a ser uma razão muito mais relevante para remover dirigentes do que vários dos crimes de responsabilidade listados na legislação, por que não utilizá-los? Vale lembrar que, embora a lei nº 1.079 não mencione especificamente essas situações, ela, com seus tipos abertos, oferece, dentro da legalidade, amplo espaço para adaptações.

    O próprio impeachment vem evoluindo. Surgiu na Inglaterra medieval como procedimento penal que permitia condenar autoridades amigas do rei, ao fazer com que fossem julgadas no Parlamento e não nas cortes controladas pela Coroa. Tornou-se, nos EUA, um mecanismo de controle do Executivo, que passava a não poder tudo. Não vejo mal em que se converta na versão presidencialista do voto de desconfiança. Se crises ocorrem e o impeachment se apresenta como meio eficaz, não violento e democrático de superá-las, não há motivo para deixar de usá-lo. Vejam a rapidez com que a Islândia resolveu sua crise e morram de inveja.

    hélio schwartsman

    É bacharel em filosofia, publicou 'Pensando Bem...' (Editora Contexto) em 2016.
    Escreve às terças, quartas, sextas, sábados e domingos.

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