O caso da fosfoetanolamina é a cara do Brasil.
Durante mais de duas décadas, um pesquisador da principal universidade do país distribuiu a pacientes de câncer pílulas de uma molécula que ele sintetizara e que acreditava combater a insidiosa moléstia.
Nesse tempo todo, ele não se preocupou em desenhar um estudo para estabelecer com algum rigor científico se a droga é eficaz. A universidade, em cujos laboratórios a fosfoetanolamina era produzida, tampouco se incomodou. Não era só a eficácia do fármaco que não fora determinada mas também sua segurança.
Relatos anedóticos da "pílula do câncer" se espalharam e, depois que o pesquisador se aposentou e a produção e distribuição da droga foram interrompidas, pacientes procuraram a Justiça para voltar a recebê-la. O Judiciário, sem nenhuma prova de que o produto funcionava, é bom frisar, deu razão aos doentes e obrigou a USP, que não é exatamente uma indústria farmacêutica, a seguir com a fabricação e entrega das pílulas.
Quando o caso ganhou as manchetes dos jornais, médicos e cientistas apontaram todos os absurdos que havia no processo, que o poder público não pode, fora do contexto de ensaios clínicos, custear e distribuir drogas sobre as quais não existem evidências de que funcionem. Este foi o único lampejo de bom senso.
Aí vêm os políticos. O que fizeram? Em tempo recorde, parlamentares aprovaram uma lei que diz que, no caso da fosfoetanolamina, não precisamos dar atenção a detalhes como eficácia, segurança ou procedimentos. Já que a droga caiu no gosto popular, ela pode ser prescrita em escala comercial, antes de passar por testes. É o triunfo do pensamento mágico sobre o método científico.
Surge então uma presidente prestes a sofrer impeachment e, contrariando todos os pareceres técnicos e conselhos da comunidade científica, sanciona a lei. Depois ainda perguntam por que o país não dá certo.
É bacharel em filosofia, publicou 'Pensando Bem...' (Editora Contexto) em 2016.
Escreve às terças, quartas, sextas, sábados e domingos.