SÃO PAULO - Se estivermos imbuídos de um espírito de tolerância e bom humor, as declarações dos deputados na votação do impeachment de Dilma Rousseff podem ser classificadas como cômicas. Deus, o povo e parentes próximos foram as razões mais populares para justificar o voto pelo afastamento da presidente, mas apareceram também motivações improváveis, como os corretores de seguro, os revolucionários de 32 e até Tobias Barreto.
Se, porém, nosso ânimo tender para o melancólico e interpretarmos os discursos de forma crítica, ficaremos com sérias dúvidas sobre a viabilidade do Parlamento e do país. Aí, nossas esperanças democráticas vão sendo golpeadas por fantasmas como teocracia, nepotismo e mesmo autoritarismos que preferiríamos ver banidos do reino das possibilidades. Para piorar, não dá para afirmar que a Câmara não representa o Brasil.
Qualquer que seja nossa disposição interna, as falas dos parlamentares provam que o processo de afastamento é muito mais político do que técnico-jurídico. Não penso que seja um problema. Quando o constituinte atribuiu ao Congresso e não a magistrados a tarefa de julgar autoridades acusadas de delitos constitucionais, determinou que, na prática, a política pesaria muito mais que o direito.
Isso faz com que o impeachment possa ser descrito como uma saída de emergência para resolver graves impasses políticos. Seria preferível substituí-lo pelo mais democrático "recall" de voto, em que a população decide diretamente se quer abreviar o mandato de um dirigente, mas não há pecado em fazer uso, mesmo que "off label", dos remédios disponíveis na prateleira constitucional.
A motivação real para a iminente queda de Dilma Rousseff não é Deus, as pedaladas nem o bravo Tobias Barreto, mas simplesmente o fato de que ela queimou as fichas da governabilidade e, hoje, as perspectivas econômicas do país são melhores sem ela do que com ela.
É bacharel em filosofia, publicou 'Pensando Bem...' (Editora Contexto) em 2016.
Escreve às terças, quartas, sextas, sábados e domingos.