SÃO PAULO - Um dos problemas do Brasil é que o país não parece ter-se dado conta de que incentivos funcionam. Se você cria uma legislação que dá prêmios em dinheiro, além de outras benesses, a quem fundar um partido político, não deveria se surpreender com a multiplicação de agremiações sem conteúdo ideológico ou linha programática.
De modo análogo, se você oferece um polpudo imposto sindical a quem tirar um sindicato da cartola, essas associações laborais vão proliferar como coelhos e não representarão muito mais do que seus diretores. Querem mais? Se você inventa o cargo de vice-presidente, que não tem nenhuma função senão a de substituir o titular em caso de ausência ou impedimento, ele jamais se converterá no mais fiel dos aliados. Havendo a possibilidade de chegar ao poder em definitivo, é quase uma fatalidade que conspirará para agarrá-lo.
Nossa dificuldade é que, em vez de olhar para os incentivos e suas implicações óbvias, preferimos nos agarrar aos bons sentimentos que certas ideias evocam. A existência de vários partidos é sinônimo de uma democracia pujante. Sindicatos dão força ao trabalhador. O vice oferece a chance de compor uma chapa mais multifacetada e, portanto, mais democrática. É como se optássemos por ignorar que partidos e sindicatos não representativos minam a democracia e o sindicalismo e que novas eleições podem ser a melhor resposta para certos impasses políticos.
Minha sensação é que, entre a objetividade e os bons sentimentos, não hesitamos em escolher o último. Faltam verbas para tratar doenças simples e curáveis, mas a Justiça não deixa de obrigar o poder público a custear terapias experimentais caríssimas para pacientes desenganados –a saúde, afinal, é direito do cidadão e dever do Estado. Lamento dizê-lo, mas, enquanto não formos um pouco mais cruelmente objetivos, continuaremos a produzir delírios legislativos e soluções que não funcionam.
É bacharel em filosofia, publicou 'Pensando Bem...' (Editora Contexto) em 2016.
Escreve às terças, quartas, sextas, sábados e domingos.