SÃO PAULO - O que me surpreende nessa novela do impeachment é que a esquerda ainda defenda a desastrada gestão de Dilma Rousseff.
O governo do PT meteu-se com esquemas pesados de corrupção e mostrou-se administrativamente incompetente. Alega-se que Dilma, como pessoa física, é honesta –com certeza mais honesta do que muitos dos que agora a condenam. Não duvido. Mas isso é muito pouco para transformá-la num modelo de virtude cívica. Ou bem a presidente é uma tonta, que não viu que pessoas ligadas ao partido e ao governo estavam se locupletando, ou então foi conivente com a corrupção. É verdade que os esquemas já existiam antes de ela chegar ao Planalto, mas a posição virtuosa aqui teria sido a de detoná-los publicamente, não tolerá-los em nome da governabilidade.
Para tornar o quadro ainda mais dramático, acho complicado até mesmo afirmar que as administrações do PT buscaram implementar políticas de esquerda. Parece mais preciso descrevê-las como populistas. Enquanto os ventos sopraram a favor, elas distribuíram benesses para todos –muito mais dinheiro foi destinado para empresários do que para os pobres, registre-se.
Em 13 anos de governos petistas, pautas históricas da esquerda, como o direito ao aborto e a descriminalização das drogas, foram tratadas como tabu pelo Executivo. O PT tampouco hesitou em sacrificar bandeiras que lhe eram caras, como a educação sexual nas escolas, sempre que seus aliados religiosos chiavam.
O caso do sindicalismo chega a ser grotesco. Nada foi feito pra implementar a convenção 87 da OIT (Organização Internacional do Trabalho), aprovada no longínquo ano de 1948, que estabelece a liberdade sindical e que era defendida com unhas e dentes por Lula e pela CUT até chegarem ao poder.
Se há alguém que não deveria derramar nenhuma lágrima pelo governo Dilma, é justamente a esquerda.
É bacharel em filosofia, publicou 'Pensando Bem...' (Editora Contexto) em 2016.
Escreve às terças, quartas, sextas, sábados e domingos.