SÃO PAULO - O governo só deve financiar estudos com utilidade prática? O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, parece pensar que sim. A coluna Radar, da Revista "Veja", noticiou que ele teria se queixado com secretários de que a Fapesp, a agência de fomento à pesquisa, que fica com 1% das receitas tributárias do Estado (R$ 1,2 bilhão em 2015) para investir em ciência, não apoia o desenvolvimento da vacina contra a dengue –o que seria útil– e incentiva pesquisas sociológicas –o que seria inútil.
Se esses relatos de bastidores são exatos, Alckmin conseguiu a proeza de estar factual e conceitualmente equivocado. A Fapesp destinou, entre 2008 e 2011, cerca de R$ 2 milhões ao Instituto Butantan para custear estudos utilizados na vacina contra a dengue, que está agora em fase de testes. O erro factual é até perdoável; R$ 2 milhões não são exatamente uma megaverba. Grave mesmo é constatar que o governador, médico de formação, não tenha muita noção de como funciona a ciência.
Um de seus traços distintivos é a imprevisibilidade. Quando o monge agostiniano Gregor Mendel pesquisava o cruzamento de ervilhas nos arredores de Brno, no século 19, não tinha muita ideia de que estaria estabelecendo as bases da genética moderna, que se tornaria uma indústria de bilhões de dólares. Imagino que, pelos critérios de Alckmin, estudar o formato das sementes de híbridos de ervilha estaria mais para pesquisa inútil do que para útil. A história da ciência é um vasto aglomerado de casos como o de Mendel.
É igualmente preocupante o desapreço que o governador parece nutrir para com as ciências humanas. Além de os sociólogos terem duas ou três coisas bastante úteis a ensinar sobre a administração pública, não há como eliminar os pressupostos metafísicos, isto é, filosóficos, que mesmo as mais úteis das tecnologias encerram nas teorias e hipóteses científicas que lhes deram origem.
É bacharel em filosofia, publicou 'Pensando Bem...' (Editora Contexto) em 2016.
Escreve às terças, quartas, sextas, sábados e domingos.