SÃO PAULO - Se havia a esperança de que o Brasil conduzisse o impeachment de Dilma Rousseff, uma opção sempre traumática, de forma tão serena e madura quanto possível, ela foi sepultada pela decisão do presidente interino da Câmara, Waldir Maranhão, de anular a sessão que autorizou a abertura do processo. O substituto de Cunha conseguiu, numa só canetada, dar verossimilhança à ideia de que o país é uma república de bananas.
A maranhada, como era de esperar, não durou mais do que algumas horas. Os argumentos jurídicos acolhidos pelo deputado eram pífios, e a própria validade da decisão era questionável, tanto que foi solenemente ignorada pelo Senado. Assim como um ministro do STF não pode mudar seu voto depois que o caso foi encerrado, a Câmara não pode chamar de novo para si um processo que já saíra de suas mãos. Mesmo assim, a pantomima encenada por Maranhão perturbou bastante o ambiente.
Mais uma vez, a barafunda surge da má compreensão do que seja um processo de impeachment. Embora os governistas se aferrem à ideia de que se trate de um procedimento judicial, que deveria obedecer às mesmas regras de julgamentos penais, ele é mais bem descrito como um mecanismo extremo de resolução de crises políticas, que segue, portanto, a uma lógica política. E, sob esse aspecto, já se formou o consenso no mundo parlamentar de que Dilma deve sair. Tudo o que prolongue sua agonia é inútil e contraproducente.
É difícil até imaginar o que a ala governista pretenda com essas manobras. Elas não revertem a iminente queda da presidente. Podem, no máximo, contribuir para consolidar a ideia de que a petista foi afastada num processo tumultuado, o que pode ajudar a tecer a fabulação do golpe. Mesmo reconhecendo que o PT pode recorrer ao "jus sperneandi", o direito de espernear, é lamentável que o faça embananando a reputação das instituições do país.
É bacharel em filosofia, publicou 'Pensando Bem...' (Editora Contexto) em 2016.
Escreve às terças, quartas, sextas, sábados e domingos.