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    Hélio Schwartsman

    O presidente e o santo

    12/06/2016 02h00

    SÃO PAULO - "Dai-me a castidade e a continência, mas não agora". A frase, de santo Agostinho (Confissões VIII, 7), cai como uma luva para descrever o comportamento fiscal do governo Temer. Até aqui, os únicos cortes de gasto que ele de fato promoveu foram tirar o avião de Dilma Rousseff e reduzir limite do cartão de crédito que abastece a despensa da presidente afastada.

    No mais, a estratégia do governante interino parece ser a de reduzir ao máximo a lista de demandas de categorias capazes de fazer barulho, varrendo os custos para o megadeficit de R$ 170 bilhões, que cai na conta política de Dilma e não na sua. Com isso, Temer compra tranquilidade e a cooperação do Congresso para aprovar suas medidas econômicas.

    Tem dado certo. Propostas boladas ou encampadas pela equipe econômica, como a lei que estabelece um teto para os gastos públicos, a Desvinculação de Receitas da União, a popular DRU, e o pacote de regras mais rígidas para a elaboração do Orçamento, ou já começaram a avançar no Legislativo ou o farão em breve.

    O problema é que todas essas medidas remetem mais ao futuro do que ao presente. E é muito mais fácil promover cortes no futuro do que no presente, especialmente para Temer, que não parece lidar muito bem com pressões. Só que um dia o futuro precisará se tornar presente. Ou não?

    O mesmo santo Agostinho (Confissões, XI, 14) lança dúvidas: "De que modo existem (...) o passado e o futuro, se o passado já não existe e o futuro ainda não veio? Quanto ao presente, se fosse sempre presente, e não passasse para o pretérito, já não seria tempo, mas eternidade. Mas se o presente, para ser tempo, tem necessariamente de passar para o pretérito, como podemos afirmar que ele existe, se a causa de sua existência é a mesma pela qual deixará de existir?" Para Agostinho, o tempo não passa de uma ilusão. Espero que o presidente não pense como o santo, ou teremos problemas.

    helio@uol.com.br

    hélio schwartsman

    É bacharel em filosofia, publicou 'Pensando Bem...' (Editora Contexto) em 2016.
    Escreve às terças, quartas, sextas, sábados e domingos.

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