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    Hélio Schwartsman

    Golpe abre caminho para autocracia na Turquia

    30/07/2016 02h00

    Umit Bektas/Reuters
    O presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, durante anúncio de estado de emergência de três meses no país
    O presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, durante anúncio de estado de emergência no país

    SÃO PAULO - Não acho que Recep Tayyip Erdogan, o presidente da Turquia, tenha simulado um golpe militar contra seu governo com o objetivo de desferir a reação e endurecer o regime. Dirigentes paranoicos evitam jogadas arriscadas.

    Não há dúvida, porém, de que a destrambelhada tentativa de golpe foi um presente para Erdogan e o seu AKP, o partido islamita com o qual governa desde 2003. O presidente, que já vinha nos últimos anos adotando uma linha mais despótica, encontrou o pretexto de que precisava para deslanchar sua ofensiva autoritária. Nas últimas semanas, Erdogan já fechou 131 veículos de comunicação e mandou prender ou suspender 60 mil pessoas, a maioria militares, juízes, policiais e professores.

    Com tal currículo, Erdogan se perfila ao lado de outros líderes, como Vladimir Putin, da Rússia, e Hugo Chávez, da Venezuela, na categoria dos novos semitiranos. Eles chegaram ao poder pela democracia, mas depois a torceram para servir a seus projetos de poder. O interessante é que em nenhum momento adotam uma medida que configure um rompimento muito claro com a legalidade e gozam, na maior parte do tempo, de amplo apoio popular.

    Desde Platão sabemos que a democracia é manipulável por demagogos. Só que, enquanto o ateniense ainda podia sonhar com uma oligarquia comandada por reis-filósofos com acesso direto à Verdade, nós não podemos nos dar a esse luxo.

    O melhor meio de evitar os semitiranos é consolidar as estruturas da democracia que visam a impedir que alguma instância de poder se sobreponha sobre as demais. Isso significa que precisamos de um Legislativo forte, um Judiciário independente e alternância do poder, para que nenhum grupo político se perpetue no comando de nenhuma das instituições. Se o governo do AKP tivesse sido despachado pelo eleitor uma ou duas legislaturas atrás, Erdogan seria hoje descrito como um estadista.

    hélio schwartsman

    É bacharel em filosofia, publicou 'Pensando Bem...' (Editora Contexto) em 2016.
    Escreve às terças, quartas, sextas, sábados e domingos.

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