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    Hélio Schwartsman

    Democracia suspeita

    01/10/2016 23h50

    Alan Marques 03.out.2014 / Folhapress
    Fac-simile da urna eletrônica que será usada neste domingo é exposta no TSE
    Fac-simile da urna eletrônica que será usada neste domingo é exposta no TSE

    SÃO PAULO - Caro leitor, se você tem entre 18 e 70 anos, é cidadão brasileiro, não mora em Brasília nem é analfabeto, caso em que nem poderia chamá-lo de leitor, então hoje você é obrigado a comparecer à sua seção eleitoral para escolher candidatos a prefeito e vereador. No Brasil, o voto é obrigatório.

    Ou melhor, você até pode deixar de votar, hipótese em que precisará justificar-se e pagar uma multa. O valor é quase irrisório. Fica entre R$ 1,05 e R$ 35,14, dependendo de sua condição econômica, que, em tese, é avaliada pelo juiz eleitoral antes de definir o tamanho da sanção. Na prática, a multa fica por R$ 3,51. Mas, se você insistir em não dar satisfações ao autoritarismo da Justiça Eleitoral, aí fica sujeito a restrições severas em seus direitos fundamentais. Não poderá tirar um passaporte para viajar ao exterior e, se for servidor público, não receberá seus vencimentos, mesmo que tenha trabalhado. Se não fosse o poder público a cometê-los, esses atos seriam tipificados como sequestro e apropriação indébita.

    Outras sanções previstas incluem a proibição de tomar empréstimos de bancos e de matricular-se em instituições oficiais de ensino.

    O que me surpreende é não só que achemos essa situação natural como que ainda existam respeitáveis vozes a apoiar o instituto do voto obrigatório, que, embora tenha feito um certo sucesso no início do século 20, já foi aposentado em quase todas as democracias dignas deste nome (as exceções são Austrália, Bélgica e alguns países da América Latina).

    Dependendo da eleição, até vou com prazer às urnas, mas meu amor pelo voto não supera meu amor pela lógica. Se a definição dos dirigentes e dos legisladores do país se materializa no agregado de escolhas soberanas de cada eleitor, é necessário que o livre-arbítrio abarque também a decisão de apresentar-se ou não à cabine de votação. Sem isso, a própria democracia fica meio suspeita.

    hélio schwartsman

    É bacharel em filosofia, publicou 'Pensando Bem...' (Editora Contexto) em 2016.
    Escreve às terças, quartas, sextas, sábados e domingos.

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