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    Hélio Schwartsman

    Vida cruel

    19/11/2016 02h00

    Renato Costa/FramePhoto/Folhapress
    Sessão do Congresso Nacional, sob o comando de seu presidente, o senador Renan Calheiros (PMDB-AL), para votação de vetos presidenciais e da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2017
    Sessão no Congresso Nacional

    SÃO PAULO - Até onde deve ir a Lava Jato? Pelo diz-que-diz de Brasília, a delação da Odebrecht não deixará pedra sobre pedra. Como não interessa ao "establishment" promover sua própria implosão, estaria se articulando uma operação abafa para pôr limites à operação.

    O melhor indício disso seria a articulação para anistiar o caixa dois. Políticos que se envolveram em casos óbvios de corrupção seriam sacrificados sem dó, mas aqueles que "apenas" receberam recursos não contabilizados da empreiteira encontrariam uma tábua de salvação.

    Melhor ainda, haveria uma fórmula para fazer isso que deixa os parlamentares bem na foto. Eles votariam a favor de um projeto de lei que torna crime o caixa dois —uma medida moralizadora— e confiariam no princípio jurídico de que a lei não pode retroagir para prejudicar o réu. Com isso, o passado estaria perdoado, e a encrenca ficaria segregada ao futuro.

    Não penso que seja tão simples. Embora utilizar-se de caixa dois não configure delito penal específico, a prática pode ser enquadrada em outros tipos, como falsidade ideológica, corrupção, crimes tributários e eleitorais. Para a "anistia" dar certo, seria necessário combinar com promotores e juízes, que não parecem tão ansiosos para pôr fim à "sangria". O plano B seria incluir na lei um dispositivo que explicite a anistia, mas isso teria custo ante a opinião pública.

    Compreendo a frustração do pessoal de Brasília. Se a operação prosseguir no rastro do caixa dois, políticos seriam condenados por ter dançado conforme a música, já que receber dinheiro por baixo do pano era algo que todos faziam. Uma analogia da vida civil seria penalizar o sujeito que comprava dólares no mercado negro ou que fuma maconha.

    Mas a vida pode ser cruel. Ao receber o dinheiro, eles sabiam que aquilo era irregular e aceitaram correr esse risco. Perderam. Retroceder na Lava Jato seria consagrar o Brasil como uma república de bananas.

    hélio schwartsman

    É bacharel em filosofia, publicou 'Pensando Bem...' (Editora Contexto) em 2016.
    Escreve às terças, quartas, sextas, sábados e domingos.

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