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    Hélio Schwartsman

    O médico e o louco

    17/12/2016 02h00

    Pedro França / Agência Senado
    BRASILIA, DF,30.06.2016, BRASIL, professor da Universidade Federal de Sao Paulo (Unifesp), Ronaldo Laranjeira na Comissao de Educacao, Cultura e Esporte (CE) realiza audiencia pública interativa com especialistas, para debater o PLC 37/2013, que trata do financiamento das políticas sobre drogas Foto:Pedro França / Agencia Senado ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***
    Ronaldo Laranjeira, coordenador do programa anticrack do governo Alckmin, é investigado pela polícia

    SÃO PAULO - O caso do psiquiatra que determinou a internação involuntária de um paciente que não via havia anos ilustra à perfeição uma tese que defendo há tempos: a lei n° 10.216/01, que prevê esse tipo de hospitalização, é uma monstruosidade jurídica que precisa ser revista.

    A história é cheia de meandros e as apurações ainda estão em curso, de modo que é cedo para conclusões definitivas. Ronaldo Laranjeira, psiquiatra de prestígio e coordenador das ações anticrack do governo paulista, mandou, a pedido da família, internar à força um paciente que tinha visto pela última vez três anos antes. Isso já é vedado pelo Código de Ética Médica (art. 37). Para piorar, o ex-paciente era detentor de um patrimônio de R$ 40 milhões, e parentes buscavam tirá-lo do controle do dinheiro. Laranjeira aparece como assistente técnico da família na ação de interdição. Três anos depois desse primeiro episódio, o psiquiatra repetiu a dose da internação, quando já não via o paciente havia seis anos.

    Ainda que Laranjeira tenha agido com total boa-fé ao determinar as hospitalizações, é preciso reconhecer que há algo de errado numa lei que permite que um médico qualquer possa, com uma canetada, privar alguém de sua liberdade por tempo indeterminado e sem direito a contraditório. É exatamente isso que a 10.216 faz. A única exigência que ela impõe é que a internação seja comunicada ao MP, mas não obriga o parquet a revisar o caso.

    Admito que existem emergências psiquiátricas que possam cobrar uma internação contra a vontade do paciente. Mas não dá para aceitar que o suposto louco não tenha assegurado o direito a uma segunda opinião médica nem a uma revisão judicial de seu caso —algo de que até assassinos confessos dispõem.

    Como mostraram os soviéticos, internações podem ser uma arma terrivelmente eficiente. Não dá para autorizá-las sem que se inscrevam num sistema de freios e contrapesos.

    hélio schwartsman

    É bacharel em filosofia, publicou 'Pensando Bem...' (Editora Contexto) em 2016.
    Escreve às terças, quartas, sextas, sábados e domingos.

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